2. ✦ O Papel das Religiões e Tradições Espirituais na Visão Cosmológica Humana

✦ Introdução: Espiritualidade e Cosmos

Desde os primórdios da humanidade, a busca por compreender o universo esteve profundamente ligada à espiritualidade.

Antes da ciência moderna, as religiões e tradições espirituais foram os principais sistemas que moldaram a visão do cosmos.
Ofereciam explicações sobre a origem do universo, a natureza da realidade e o papel do ser humano na existência.

Mais do que explicações físicas, estas cosmologias eram modos de vida.
Estabeleciam significados, orientavam comportamentos, ritualizavam a pertença ao mistério.


✦ Cosmogonias: Como os Deuses Criaram o Mundo

Podemos dividir as cosmogonias religiosas em dois grandes modelos:

1. Criação Ex Nihilo — a partir do nada

Presente no judaísmo, cristianismo e islamismo, esta visão afirma que um Deus transcendente criou o universo do nada, num ato de pura vontade.

“No princípio, Deus criou os céus e a terra.” (Génesis 1:1)

2. Emanação e transformação cíclica

Presente no hinduísmo, budismo e taoísmo, vê o cosmos como um ciclo eterno de criação e renovação, sem um início absoluto.

Exemplo: No Rig Veda, o universo surge do sacrifício de Purusha, o ser cósmico primordial.

Cada cosmogonia reflete uma visão de tempo, ordem e lugar do humano no cosmos.


✦ O Papel das Grandes Religiões

Hinduísmo: o ciclo cósmico e o Brahman

  • Universo eterno, cíclico, regido por Brahma (criador), Vishnu (preservador) e Shiva (destruidor).
  • O tempo organiza-se em yugas (eras cósmicas) que se sucedem infinitamente.
  • A realidade última é o Brahman, fonte de tudo.

Budismo: o universo como fluxo interdependente

  • Sem um deus criador: o universo é resultado de karma e interdependência.
  • Tudo surge e desaparece ciclicamente.
  • A meta não é adorar, mas atingir o nirvana — o fim da ilusão.

Taoísmo: harmonia com o Tao

  • O Tao é o princípio invisível que governa tudo.
  • O universo é vivido, não explicado.
  • A harmonia entre Yin e Yang sustenta a ordem natural.

Zoroastrismo: luz e sombra no universo

  • O cosmos é palco de um conflito entre o bem (Ahura Mazda) e o mal (Angra Mainyu).
  • O universo teve um começo e terá um fim: a vitória da luz.
  • Influenciou profundamente as religiões abraâmicas.

Judaísmo, Cristianismo e Islão: Deus como criador e guia

  • Deus cria, ordena e sustenta o universo.
  • O tempo é linear, com início e fim (criação e juízo).
  • O ser humano tem um papel central: é imagem de Deus, co-criador e responsável.

✦ Cosmologias Espirituais e Xamânicas

Nas tradições indígenas, o cosmos é um ser vivo, com alma, consciência e vontade.

  • Nas culturas ameríndias, o equilíbrio entre forças naturais e espirituais é sagrado.
  • No mundo celta, os astros e a natureza são manifestação do divino.
  • Nas mitologias africanas, o cosmos é tecido pela presença de ancestrais e espíritos vitais.

O animismo — presente nestas tradições — reconhece que tudo está vivo e interligado.
Rios, montanhas, animais e estrelas são entidades com intenção e sabedoria.


✦ Religião, Ciência e o Cosmos

A relação entre religião e ciência foi longa e complexa:

  • Na Idade Média, o cosmos era visto à luz da Bíblia e de Aristóteles.
  • No Renascimento, Copérnico, Galileu e Newton iniciaram a rutura: o universo tornou-se mecânico, regido por leis e fórmulas.
  • No século XX, a física moderna (Einstein, Big Bang, mecânica quântica) reintroduziu o mistério — e até o diálogo com tradições antigas.

Hoje, há novas correntes que procuram reconciliar espiritualidade e ciência, especialmente quando se trata da consciência, do tempo e da origem do universo.


✦ Conclusão: O Cosmos como Mistério Vivo

As religiões e tradições espirituais foram, durante milénios, os nossos primeiros mapas cósmicos.

Mesmo que a ciência moderna tenha transformado as nossas explicações, a espiritualidade continua a oferecer sentido, profundidade e pertença.

Talvez o caminho não esteja em escolher entre fé e razão —
mas em permitir que ambas conversem, cada uma no seu idioma.

O cosmos pode ser simultaneamente um objeto de estudo… e um sujeito sagrado.
A Cosmosophia nasce dessa ponte:
entre o saber e o sentir, entre a pergunta e a entrega.

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