Os deuses antigos não estão mortos, apenas ocultos.
Os mitos surgem como uma necessidade do inconsciente e, nesse sentido, são imortais.
Não sei onde li esta frase pela primeira vez. Apenas sei que, na adolescência, a escrevi obsessivamente nos meus cadernos, como um encantamento que precisava de ser recordado. Sem compreender completamente o porquê, senti que continha um segredo profundo — uma verdade ancestral que só mais tarde se revelaria.
Agora, tantos anos depois, percebo que resume tudo aquilo em que acredito. Os mitos nunca desapareceram. Persistem no tempo, ocultos nos símbolos, nas paisagens sagradas, nas tradições que resistem à erosão dos séculos.
Os deuses não morreram. Apenas se esconderam à vista de todos.
O que são os mitos?
O erro moderno não está apenas em esquecê-los, mas em reduzi-los a fábulas. O pensamento racionalista tratou-os como curiosidades etnográficas, ecos distantes de uma humanidade mais ingénua.
Mas os mitos não são ficção. São espelhos da alma coletiva, narrativas simbólicas que condensam verdades intemporais.
Os povos antigos não contavam histórias sobre deuses, serpentes sagradas e mundos invisíveis por mero entretenimento. Os mitos eram mapas do real, representações do que só pode ser compreendido através do inconsciente.
O mito não pertence ao passado; sobrevive na nossa psique, molda os nossos sonhos e sussurra-nos ao ouvido nas noites em que a razão falha e a intuição se acende.
E se ouvirmos com atenção, descobrimos que um desses mitos ainda respira nas sombras da Península Ibérica.
Ophiussa e o culto das serpentes
Quando os navegadores gregos chegaram às costas ocidentais da Ibéria, encontraram um povo estranho. Um povo que venerava a serpente como um símbolo divino, uma força cósmica e primordial. Chamaram-lhe Ophiussa, “A Terra das Serpentes” — um nome que ecoa como um murmúrio perdido, vestígio de algo muito mais antigo do que os próprios gregos.
A serpente sempre foi um arquétipo de renovação, sabedoria e mistério.
- Nos mitos da criação, é guardiã dos segredos cósmicos.
- No culto ctónico, o espírito subterrâneo que liga o visível ao invisível.
- No imaginário coletivo, é simultaneamente a que ensina e a que testa, a que dá e a que tira.
Os povos de Ophiussa não viam a serpente como um inimigo, mas como um portal. Eles compreendiam o que as religiões posteriores tentaram apagar:
A serpente não é apenas destruidora, mas criadora.
Não é apenas sombra, mas luz.
Será que essa herança terá realmente desaparecido?
Os deuses escondidos
O nome Ophiussa desvaneceu-se dos mapas, substituído por designações mais recentes. O culto da serpente foi suprimido, transformado em tabu, reduzido a superstição. Mas os mitos não morrem — transmutam-se, ocultam-se nos rituais diários, escondem-se nos símbolos que carregamos sem perceber.
Hoje, encontramos fragmentos desta sabedoria antiga:
- Nas lendas populares, que repetem ecos de tempos esquecidos.
- Nos topónimos ancestrais, cujos nomes guardam vestígios de um culto perdido.
- Nas tradições que persistem, camufladas sob novas formas.
A serpente permanece aqui. Gravada nas pedras. Desenhada nos caminhos. No vento que atravessa os montes.
Se olharmos com atenção, perceberemos que Ophiussa nunca se foi.
E os deuses antigos? Os deuses antigos não estão mortos. Apenas ocultos.
À espera, talvez, do momento certo para despertar…