Anexos: Vozes do Passado

Ao longo deste livro, reconstruímos a história trágica e heroica de Inácio Perestrello Marinho Pereira e dos seus companheiros, vítimas da brutal repressão miguelista. Os acontecimentos narrados não são meras lembranças distantes, mas episódios que marcaram a luta pela liberdade e pela monarquia constitucional em Portugal.

Para aprofundar e dar voz à época, apresentamos nesta secção um conjunto de documentos históricos essenciais. São testemunhos contemporâneos aos eventos descritos, escritos por pessoas que viveram ou analisaram de perto os factos. Estes textos não só complementam a narrativa como permitem que o leitor entre em contacto direto com as emoções, as perceções e os discursos da época.

Conteúdo dos Anexos:

  1. Excerto da Elegia Fúnebre “Os Cinco Infelizes Padecentes” – Um lamento tocante sobre a execução de Inácio Perestrello e seus companheiros, capturando a indignação e o pesar daqueles que assistiram impotentes à tragédia.
  2. Carta de Cláudio de Chaby a Innocêncio Francisco da Silva – Um testemunho pessoal de um familiar de uma das vítimas, escrito quatro décadas após os acontecimentos, relembrando a dor da perda e a memória dos mártires liberais.
  3. Carta de Innocêncio Francisco da Silva a Cláudio de Chaby – Reflexões sobre o impacto da repressão e a desilusão com os rumos da liberdade em Portugal, numa visão crítica do passado e do presente.

Estes textos oferecem uma perspetiva mais íntima e emocional dos acontecimentos relatados, proporcionando ao leitor uma ligação direta com o sofrimento, a esperança e as consequências desta luta histórica.


O Bravo Coronel Perestrello – Símbolo de um Tempo e de uma Causa

Inácio Perestrello Marinho Pereira foi muito mais do que um soldado ou um conspirador. Foi a personificação do espírito romântico, o homem que se ergueu contra a maré de um destino traçado, que desafiou a sua origem e os ditames da sua época para se tornar um símbolo de resistência. Nascido em tempos de convulsão, viveu na turbulência de um país dividido entre o peso do passado absolutista e a promessa de um futuro liberal. E como todos os heróis de tragédia, encontrou na morte o desfecho que, paradoxalmente, lhe garantiu a eternidade.

O Mártir da Liberdade

A execução de Perestrello no Cais do Sodré, sob um nome que não era o seu, acrescenta-lhe um véu de misticismo e ironia cruel. Morreu como Joaquim Vellez Barreiros, um nome que selou o seu destino e o fez passar para a história sob um equívoco trágico. Mas a identidade que o condenou não lhe roubou a essência: morreu como viveu, intransigente na sua devoção ao ideal liberal, enfrentando a forca com a dignidade dos que sabem que não lutam apenas pelo presente, mas por gerações futuras.

As suas últimas palavras, abafadas pelo rufar dos tambores miguelistas, ecoaram na memória de todos os que sobreviveram para contar a história. O seu sangue não foi derramado em vão, pois serviu de semente para a vitória liberal que, poucos anos depois, haveria de triunfar sobre a tirania.

Herói Romântico, Guerreiro de Dois Mundos

Perestrello encarna o arquétipo do herói romântico, aquele que desafia os desígnios do seu tempo, que se entrega a uma causa maior do que ele próprio e que, mesmo na derrota, transcende a morte. A sua trajetória militar, do serviço nas tropas napoleónicas à luta em solo português, insere-se numa tradição de guerreiros que lutam não por glória pessoal, mas pelo ideal de uma pátria livre.

Agraciado com a Legião de Honra após a Batalha de Wagram, serviu sob o comando de figuras lendárias como Gomes Freire de Andrade. O seu nome surge entre aqueles que não apenas empunharam armas, mas também carregaram nos ombros a esperança de um país diferente. O destino não lhe permitiu ver essa mudança concretizada, mas o seu sacrifício pavimentou o caminho para a vitória liberal e para a restauração da Carta Constitucional.

Helena Dulac: O Amor e a Tragédia

Mas nenhum herói romântico se completa sem um grande amor envolto em tragédia. Para além do campo de batalha, a vida de Perestrello foi marcada pela presença de Helena Dulac, a mulher que amava e que, segundo os relatos, desesperada ao vê-lo caminhar para a morte, se lançou ao Tejo e encontrou nele o seu próprio fim.

O amor de Perestrello e Helena é um reflexo da essência trágica do romantismo. Um amor condenado pelas circunstâncias, vivido sob a sombra da perseguição e encerrado num desfecho digno das grandes narrativas épicas. A sua história ecoa os temas das paixões impossíveis, dos sacrifícios intransponíveis e das almas que se procuram para além da vida e da morte. Se a vida os separou, a história uniu-os para sempre.

A ligação entre Perestrello e Helena Dulac acrescenta-lhe uma dimensão ainda mais poética e universal. Não é apenas um mártir da liberdade, mas também um herói do amor impossível, um Orfeu sem Eurídice, condenado a um destino em que a perda e a saudade são tão imortais quanto o seu nome na história.

Um Nome Gravado na História

O nome de Inácio Perestrello não desapareceu com a poeira do tempo. A cada documento que o menciona, a cada elegia escrita em sua memória, revive-se a história de um homem que, mesmo condenado ao silêncio pelo estrondo da repressão, nunca deixou de ser ouvido. A ironia do seu julgamento, a perversidade do engano que o levou ao cadafalso, fazem dele não apenas uma vítima do absolutismo, mas uma figura eternizada na luta pela liberdade.

A sua história é um aviso e um legado. Mostra-nos que a liberdade nunca é concedida sem custo, que há sempre um preço a pagar por desafiar a tirania. Mas mostra-nos também que aqueles que ousam sonhar com um mundo mais justo são aqueles cujos nomes resistem ao esquecimento.

O Legado de um Homem, o Eco de uma Causa

Inácio Perestrello não foi apenas um homem do seu tempo. Foi um espírito que ultrapassou os limites da sua época, um símbolo da luta contra a opressão e a injustiça. A sua vida e morte não são apenas parte da história de Portugal; são um lembrete de que a liberdade, uma vez conquistada, precisa de ser protegida com a mesma coragem e determinação que aqueles que a conquistaram demonstraram.

Que o seu nome continue a ecoar, não apenas nos livros de história, mas no espírito de todos os que se recusam a viver sob o jugo da tirania. Que a sua memória inspire não apenas os estudiosos, mas todos aqueles que compreendem que a liberdade, para ser plena, exige sacrifício.

E assim, com um último olhar para o passado e uma promessa para o futuro, encerramos esta narrativa. Mas a história de Inácio Perestrello nunca se encerra realmente. Enquanto houver quem lembre o seu nome e o seu feito, enquanto houver quem compreenda a sua luta, ele continuará vivo, um farol no nevoeiro da história, guiando-nos pelo caminho da justiça e da liberdade.

Crónica do Visconde de Cortegaça e a Resposta de Augusto Pinto Osório

A Crónica de 1909: “Ignácio Perestrello”

Em 1909, o Visconde de Cortegaça, sob o nome de Dr. António de Magalhães, publicou uma crónica no jornal O Comércio do Lima, trazendo novamente à luz a história de Ignácio Perestrello Marinho Pereira. Num tempo em que o nome do liberal enforcado caía no esquecimento, a crónica reavivou a sua memória, celebrando a coragem do soldado de Wagram e a sua luta inabalável pela liberdade.

Magalhães descreve Perestrello como um herói, que sacrificou não apenas a sua posição social e fortuna, mas também a própria vida pelos ideais da Revolução. Ressalta o seu papel na Legião Portuguesa sob Napoleão e a distinção da Legião de Honra que recebeu do imperador francês. Ao abordar os eventos da Conspiração de 1829, Magalhães enfatiza a injustiça do processo, sublinhando que, apesar da falta de provas, Perestrello foi condenado e executado.

A crónica também menciona um elemento intrigante e romântico: a ideia de que Perestrello regressou a Portugal não apenas por convicção política, mas por amor a uma mulher de Lisboa, uma figura misteriosa que teria sido o catalisador para o seu regresso fatídico.

A Resposta do Juiz Augusto Pinto Osório

A crónica suscitou uma resposta apaixonada do juiz Augusto Pinto Osório, publicada em 1910. O magistrado, cuja família tinha ligações ao liberalismo, reconhece o mérito do texto de Magalhães e reforça a necessidade de restaurar a memória de Perestrello. No entanto, Osório vai mais longe ao trazer um testemunho inédito sobre os amores do condenado.

Numa visita a Simão José da Luz Soriano, um dos principais historiadores do período, Pinto Osório ouviu a confirmação de que Perestrello realmente regressara por amor. Segundo Soriano, a mulher em questão chamava-se Helena Dulac, uma dama de origem francesa que residia em Lisboa. Estavam prometidos um ao outro, e foi por ela que Perestrello arriscou a vida ao regressar ao reino dominado pelo terror miguelista.

A carta de Pinto Osório é um documento revelador que acrescenta uma nova camada à lenda de Ignácio Perestrello. Se até então o liberal era visto apenas como um soldado e conspirador, a confirmação de um romance trágico aproxima-o ainda mais do arquétipo do herói romântico.

A Importância dos Testemunhos

Mais de cem anos depois de estas crónicas terem sido escritas, é notável que o nome de Ignácio Perestrello ainda não tenha sido plenamente reconhecido na história portuguesa. A sua trajetória, apagada pelo tempo e pelas conveniências políticas, foi resgatada por Magalhães e Pinto Osório, que ousaram contestar o silêncio que o envolveu.

Ao incluir estas fontes na monografia, o objetivo é restaurar não apenas a figura de Perestrello, mas também destacar a importância da memória histórica e dos testemunhos daqueles que ousaram contar a verdade num tempo em que ainda se temia reabrir feridas do passado.

O facto de Perestrello ter sido executado sob um nome falso apenas reforça a ironia e injustiça da sua morte. Ao recuperarmos a sua história, cumprimos o papel de manter viva a memória dos que foram esquecidos pelo tempo, mas que jamais deveriam ter sido apagados.

Para manter a fluidez da narrativa e garantir que os excertos essenciais da crónica do Visconde de Cortegaça sejam integrados de forma natural ao texto, devemos selecionar passagens que:

  1. Apresentem Ignácio Perestrello como figura histórica relevante, destacando o seu contributo militar e político.
  2. Destaquem o seu percurso na luta liberal, nomeadamente a participação em batalhas e a sua perseguição pelo regime miguelista.
  3. Sublinhem a injustiça da sua execução, dando voz ao simbolismo do seu martírio.
  4. Introduzam a sua ligação amorosa com Helena Dulac, reforçando o caráter romântico da sua história.

Seleção de excertos essenciais:

1. Apresentação de Ignácio Perestrello

“Mais um português ilustre, natural de Ponte de Lima, e hoje conhecido apenas pelos estudiosos, que vou trazer para o vasto campo da publicidade. E merece-o.
Merece-o porque foi um dos mais notáveis pontelimenses que honraram esta formosíssima vila, merece-o porque deixou por essa Europa fora bem glorificado o país de onde era oriundo, merece-o porque foi um dos poucos corações em que primeiro luziu essa rutilante aurora donde irradiaram as liberdades da nossa pátria.”

Este excerto enfatiza a importância histórica de Perestrello e serve como introdução para o seu papel na luta liberal.

2. Participação Militar

“Ignácio Perestrello entrou com a graduação de cadete na Legião Lusitana, que no começo do século passado esteve ao serviço de França, e nessa qualidade tomou parte na batalha de Wagram, ferida em 6 de julho de 1809, sendo um dos portugueses que mais contribuíram, com o seu esforço, para o triunfo das armas francesas.
É sabido que a vitória se deveu unicamente ao heroísmo da Legião Lusitana, a ponto de Napoleão, sempre cioso da superioridade do seu exército, em Fontainebleau, dizer ao conde da Ega:
‘Senhor conde, não há na Europa melhores soldados que os portugueses’.”

Este trecho enaltece a carreira militar de Perestrello e a honra concedida por Napoleão, um elemento que fortalece a sua imagem como herói.

3. O Exílio e o Retorno por Amor

“Outorgada a Carta Constitucional de 1826, voltou a Portugal. Pouco tempo, porém, se conservou na pátria. Em abril de 1828 a Carta é declarada abolida e restaurado o absolutismo. Apressadamente, com outros liberais em evidência, refugia-se a bordo de um navio inglês que o conduz a Inglaterra.
Mas, mais fortes que os seus sentimentos liberais, mais sedutor que os louros colhidos no exército napoleónico, mais estimável que a própria vida, havia esse eterno quid, que até hoje não encontrou definição, e já agora nunca a obterá, embora os seus perscrutadores datem das primeiras idades – o amor!
Ignácio Perestrello amava!
As saudades por uma senhora de Lisboa, cuja imagem sempre ocupava o seu pensamento, retalhavam-lhe o coração, não podendo resistir-lhes por mais tempo – quem assombrara Bonaparte com a resistência heroica do seu ânimo! Resolve, ocultamente, vir ao reino. Vem: é a morte que o espera em vez da fulgurante criatura que, na terra estranha, iluminava os seus amargurados dias de exilado!”

Esta passagem reforça o caráter trágico e romântico da sua história, destacando que foi o amor que o levou de volta a um território dominado pelos seus inimigos.

4. Prisão e Execução

“Imediatamente à sua chegada a Portugal é denunciada e descoberta a conspiração de 29 de janeiro de 1829. São presos os seus autores e, entre eles, Ignácio Perestrello.
O simulacro do processo instaurado contra Ignácio Perestrello não comprovou que ele estivesse no segredo da conspiração, mas mesmo sem provas, foi condenado a morrer.
São célebres as palavras que proferiu junto do patíbulo, momentos antes de ser supliciado. Voltado para a multidão que ia presenciar o mais degradante de todos os espetáculos para este país, exclamou:
‘Morro pela liberdade, assim como para ela vivi. O meu último alento é respiração de ódio e execração ao tirano usurpador da minha pátria’.”

Aqui, a crónica dramatiza o momento final de Perestrello, realçando a sua morte como um sacrifício pela liberdade.

5. O Legado e a Ingratidão da Pátria

“Ignácio Perestrello pertencia a uma das mais distintas famílias de Entre Douro e Minho, oriunda deste concelho, onde hoje está muito ramificada.
Era morgado e senhor de uma casa importante. Por isso mais merece a admiração de todos nós: nobre, rico e inteligente, poderia viver descansado e rodeado das honrarias que o antigo regime lhe conferia, porém, a todo esse comodismo preferiu a luta pelos seus ideais, embora arrostando com os maiores infortúnios, do exílio até à forca!
Nobre exemplo de uma profunda e ardente convicção!”

NOTAS para o capitulo final

  1. As duas cartas entre o irmão de Chaby e o responsável pela distribuição da elegia: Estas cartas são o ponto de partida deste trabalho. São a prova de que a memória de Ignácio Perestrello nunca se perdeu totalmente, mas sim sobreviveu através de pequenos gestos de resistência.
  2. Reflexão sobre o papel do Visconde de Cortegaça: Incluir o excerto do seu livro onde ele expressa a necessidade de uma monografia sobre Perestrello.
  3. Responder diretamente ao desafio deixado por ele: “Pois para esse alguém, algum material, vou aqui deixar.” – mostrando que aceitei esse desafio e dei corpo a essa reconstituição histórica.
  4. Conclusão pessoal e ligação ao presente: Refletir sobre a importância de não esquecer os mártires da liberdade, especialmente numa altura em que o mundo enfrenta o ressurgimento de extremismos políticos. Deixar claro que este livro não é apenas sobre o passado, mas sim um alerta para o presente e o futuro.
    Fechar com força e impacto, reafirmando que a luta pela liberdade nunca termina.

🔹 Capítulo Final: Reflexão e Memória

  • Citação do Visconde de Cortegaça sobre o esquecimento de Perestrello.
  • As cartas entre o irmão de Chaby e o responsável pela distribuição da elegia.
  • Reflexão sobre o papel do Visconde e a importância do resgate histórico.
  • Conclusão pessoal e ligação ao presente.

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