Capítulo V – O Liberalismo em Portugal: A Revolução da Liberdade e Sangue

I. O Tempo das Sombras: Quando a Liberdade Era Apenas um Sonho

Portugal, no alvorecer do século XIX, era um país de contrastes. Enquanto as luzes do Iluminismo e das revoluções europeias incendiavam os espíritos mais audazes, o país permanecia preso às correntes do absolutismo. A coroa e a nobreza, escudadas na autoridade divina, governavam com mão de ferro. O povo, esmagado por impostos e por uma economia estagnada, conhecia bem o peso das injustiças, mas não tinha ainda palavras para exprimir os ventos da mudança.

Porém, no submundo das tertúlias e das sociedades secretas, começava-se a sonhar. As ideias de Montesquieu, Voltaire e Rousseau chegavam às prateleiras escondidas das bibliotecas dos homens cultos. Nos cafés e salões de Lisboa, Coimbra e Porto, discutia-se em sussurros a necessidade de uma Constituição, a urgência de um governo que respeitasse os direitos do povo.

Mas sonhar com a liberdade era perigoso. Gomes Freire de Andrade e os seus companheiros sabiam-no bem.


II. Conspirações e Traições: A Primeira Faísca da Revolução

A Conjura de 1817 foi o primeiro grito sufocado do liberalismo português. O general Gomes Freire de Andrade, veterano das Guerras Napoleónicas, sentia o peso do descontentamento nas ruas. Ele e um punhado de oficiais, maçons e intelectuais planeavam um golpe que instauraria um governo constitucional. Mas os conspiradores foram traídos. A coroa, temendo o contágio das revoluções europeias, reagiu com brutalidade. Gomes Freire e outros onze conspiradores foram presos, julgados e enforcados.

O silêncio da repressão caiu sobre Lisboa. Mas, como tantas vezes acontece, a morte de um homem foi a semente de algo maior. O sangue derramado de Gomes Freire não foi esquecido. A sua execução tornou-se um símbolo. E a faísca que ele acendera não tardaria a incendiar o país.

Cinco anos depois, no Porto, os liberais voltariam à carga.


III. A Revolução Liberal de 1820: O Grito de um País Sofrido

Foi a 24 de agosto de 1820 que as vozes da mudança finalmente se fizeram ouvir. A Revolução Liberal do Porto não foi apenas uma revolta militar, mas um levante de um país cansado do absolutismo e da corrupção. Inspirados pelo sucesso da Revolução de Cádiz, em Espanha, os revolucionários portugueses exigiam uma Constituição e o regresso da família real, exilada no Brasil desde 1807.

As ruas encheram-se de vozes, bandeiras e esperança. Criou-se a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que rapidamente convocou as Cortes Constituintes para redigir a primeira Constituição Portuguesa, promulgada em 1822. Era o fim do absolutismo? Nem por isso. Os ventos da liberdade sopravam fortes, mas os inimigos do liberalismo não estavam dispostos a ceder sem luta.

A luta entre as trevas e a luz estava apenas a começar.


IV. Os Irmãos Inimigos: D. Pedro e D. Miguel

Se há personagens que simbolizam o conflito entre liberalismo e absolutismo em Portugal, esses são D. Pedro IV e D. Miguel I, dois irmãos separados por uma guerra de ideais.

D. Pedro IV, também Imperador do Brasil, acreditava que a única forma de modernizar Portugal era através de um governo constitucional. Em 1826, ao abdicar do trono português em favor da sua filha, D. Maria II, promulgou a Carta Constitucional, um documento que tentava equilibrar a monarquia com as exigências liberais.

Mas a sua confiança no irmão foi um erro fatal.

D. Miguel I, fervoroso absolutista, regressou a Portugal sob a promessa de respeitar a Carta Constitucional. Mas o seu juramento foi uma mentira. Em 1828, apoiado pelos setores mais conservadores da nobreza e do clero, D. Miguel dissolveu as Cortes e proclamou-se rei absoluto. Portugal mergulhava novamente na escuridão.

Os liberais foram perseguidos, presos, forçados ao exílio. Entre eles, Inácio Perestrello Marinho, que fugiu para Inglaterra, esperando o momento certo para regressar.

E esse momento chegou.


V. A Guerra Civil Portuguesa: Sangue, Pátria e Liberdade

A guerra entre os dois irmãos não era apenas uma guerra pelo trono – era uma guerra pelo futuro do país. Entre 1832 e 1834, Portugal foi palco de uma guerra civil que opôs liberais e absolutistas, progressistas e reacionários, a nova era e o velho mundo.

A 8 de julho de 1832, D. Pedro IV, agora à frente de um exército de exilados e mercenários, desembarcou em Mindelo, perto do Porto. Era o início da ofensiva liberal. Durante mais de um ano, os liberais resistiram heroicamente ao Cerco do Porto, enfrentando fome, doença e bombardeamentos constantes. Mas não cederam. O espírito de Gomes Freire de Andrade e de todos os que haviam morrido pela liberdade pulsava nos corações dos combatentes.

A viragem veio em 1833, quando os liberais conquistaram Lisboa e obrigaram D. Miguel a recuar. Finalmente, em 1834, com a Convenção de Évora-Monte, D. Miguel foi forçado ao exílio. O absolutismo tinha sido derrotado.

D. Maria II subiu ao trono, e a monarquia constitucional foi restaurada.


VI. O Legado do Liberalismo Português

A vitória dos liberais não trouxe um período de paz imediata. As décadas seguintes foram marcadas por instabilidade, golpes e revoluções. Mas a semente do liberalismo estava plantada. O país nunca mais voltaria ao absolutismo.

O sacrifício de homens como Gomes Freire de Andrade e Inácio Perestrello Marinho não foi esquecido. O seu sangue ajudou a erguer um novo Portugal – um país que, apesar das suas lutas internas, caminhava lentamente para a modernidade.

O liberalismo português, nascido nas sombras das conspirações e amadurecido nos campos de batalha, tornou-se a espinha dorsal da identidade política do país. Hoje, ao olhar para a história, compreendemos que cada revolução, cada guerra, cada sacrifício foi um passo na longa estrada para a liberdade.

Porque a liberdade nunca é um presente. É uma conquista.

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