Capítulo VI – D. Miguel, O Usurpador: O Absolutismo Contra a Liberdade

I. A Coroa Usurpada: O Golpe de 1828

Portugal despertava sob um novo monarca. Não aquele que o destino e a legitimidade haviam determinado, mas aquele que se apoderara do trono pela força, pela astúcia e pela traição. D. Miguel I, o infante predileto da rainha Carlota Joaquina, o filho fiel ao absolutismo, usurpava a coroa que deveria pertencer a D. Maria II, filha de D. Pedro IV.

Não fora uma ascensão pacífica. Antes, uma orquestração habilidosa, um jogo político onde as promessas de fidelidade à Carta Constitucional de 1826 eram meros ardis para iludir aqueles que ainda acreditavam na honra da palavra de um príncipe.

Em 1828, regressado a Lisboa, D. Miguel dissolveu as Cortes e, rodeado dos seus apoiantes mais ferozes, rasgou a Carta Constitucional e proclamou-se rei absoluto. O liberalismo, que por um breve momento vislumbrara a vitória, foi esmagado sem piedade. As ruas encheram-se de vozes em murmúrios de medo. Os que ousavam erguer-se contra o novo regime eram silenciados pelas prisões, pelo exílio, pelo cadafalso.

A repressão foi imediata. O governo miguelista instaurou uma era de terror, onde os liberais eram perseguidos como criminosos, lançados nas masmorras das fortalezas de Lisboa e Porto, exilados para os confins da Europa ou, pior ainda, condenados à morte sem um julgamento justo. O país mergulhava nas trevas do absolutismo, e os liberais que conseguiram escapar à perseguição organizaram-se na sombra, preparando o contra-ataque.


II. Um Reino Fechado a Ferro e Fogo

As cidades e vilas foram obrigadas a aclamar o novo rei. As igrejas e os conventos, aliados naturais do regime absolutista, benziam a sua ascensão como um desígnio divino. O próprio clero exaltava a legitimidade do monarca usurpador, fazendo eco das palavras dos que viam na Constituição um demónio saído das entranhas revolucionárias de França.

Os três estados do reino, reunidos apressadamente, deram a sua aprovação formal à aclamação de D. Miguel I, proclamando-o rei legítimo. O trono, agora tomado pela força, não tardaria a ser manchado pelo sangue dos seus opositores.

“Nas eleições para estas antigas cortes cometeram-se as maiores irregularidades e violências, não sendo convocados senão indivíduos em que o novo governo julgava encontrar apoio (…). Aclama-se D. Miguel I, rei de Portugal, numa cerimónia marcada por fraude, subserviência e temor. Trabalhou poderosamente para este resultado a rainha D. Carlota Joaquina, que, se não conseguiu a coroa ou a regência para si, teve por fim o gosto de a ver sobre a cabeça do seu filho predileto.”

Francisco da Fonseca Benevides, in Rainhas de Portugal, 1879.

O novo rei não perdeu tempo. Com mão de ferro, instaurou uma monarquia absoluta que rapidamente se tornou sinónimo de perseguição, censura e tirania. As prisões do Limoeiro e de Almeida encheram-se de liberais, alguns dos quais jamais voltariam a ver a luz do dia.

As execuções tornaram-se frequentes. A cada dia, Lisboa acordava com novos nomes riscados da lista dos vivos. E aqueles que conseguiam escapar, encontravam-se forçados ao exílio, tornando-se refugiados políticos em Londres, Paris ou nos Açores, último reduto da resistência liberal em território português.


III. As Ilhas Rebeldes e a Chama da Liberdade

Mas nem todo o reino se curvou. Os Açores, fiéis à causa liberal, recusaram-se a aceitar a autoridade de D. Miguel. Em 1830, formou-se uma regência liberal na Terceira, liderada pelo Marquês de Palmela e pelo Conde de Vila Flor. Ali, sob a bandeira bipartida de azul e branco, a resistência organizava-se, preparando o contra-ataque que devolveria a Constituição ao país.

No continente, as revoltas eram esmagadas com brutalidade. No Porto, em 16 de maio de 1828, um levante liberal foi rapidamente sufocado, e os seus líderes executados. Mas a resistência não se dava por vencida.

“No dia 15 de março de 1830, instalou-se na Terceira uma regência em nome da rainha D. Maria II. Era o último bastião da liberdade em Portugal, enquanto D. Miguel governava com mão de ferro. A repressão tornava-se cada vez mais implacável, e a guerra civil parecia inevitável.”

Francisco da Fonseca Benevides, in Rainhas de Portugal, 1879.


IV. O Regime do Terror e a Fúria dos Exílios

D. Miguel governava com punho de ferro. A sua polícia secreta, inspirada nos modelos mais opressivos do absolutismo europeu, vigiava cada palavra dita nas ruas, cada suspeita de dissidência. A censura tornou-se um instrumento de controlo, proibindo qualquer publicação que não exaltasse a figura do rei ou condenasse os perigos do liberalismo.

“As perseguições assumiram contornos de verdadeira caçada humana. Os que ousavam sussurrar palavras de revolta eram presos sem julgamento, torturados e, muitas vezes, executados publicamente. O governo de D. Miguel não conhecia clemência.”

Memórias de um Liberal Exilado, 1840.

Nos campos e cidades, as fogueiras da inquisição política ardiam. Os liberais fugiam ou eram presos, muitos condenados a trabalhos forçados ou degredados para as colónias africanas. Outros, como Inácio Perestrello Marinho, encontravam-se entre aqueles que não podiam aceitar a tirania e, ainda que perseguidos, preparavam a vingança.

No exílio, os liberais organizaram-se e começaram a arquitetar a queda de D. Miguel. D. Pedro IV, agora no Brasil, esperava a oportunidade certa para recuperar o trono de sua filha e restaurar a Carta Constitucional.


V. A Guerra Civil: O Início do Fim de D. Miguel

Em 1832, o inevitável aconteceu. D. Pedro IV desembarcou em Portugal, trazendo consigo um exército de exilados, mercenários e idealistas prontos para lutar por um país livre. O Cerco do Porto foi o primeiro grande teste desta guerra. Durante mais de um ano, os liberais resistiram heroicamente ao assédio miguelista.

Mas o destino já não sorria a D. Miguel. A sua brutalidade, longe de consolidar o seu poder, fomentava o ódio. Um a um, os seus aliados desertavam. Os seus exércitos, antes temidos, começavam a vacilar. E quando os liberais tomaram Lisboa em 1833, o desmoronamento do seu regime tornou-se apenas uma questão de tempo.

Finalmente, em 1834, com a Convenção de Évora-Monte, D. Miguel foi forçado a abdicar. O exílio seria o seu castigo, o esquecimento o seu destino. Partiu para a Áustria, onde passaria o resto dos seus dias, afastado de um país que o rejeitara.


VI. O Legado do Usurpador

O reinado de D. Miguel não deixou saudades. Foi um período de opressão, perseguições e fanatismo, que demonstrou ao povo português o custo da liberdade. Mas, paradoxalmente, também fortaleceu o movimento liberal. A brutalidade miguelista fez com que até os mais hesitantes percebessem que o futuro não podia estar nas mãos de um tirano.

Quando D. Maria II subiu ao trono, Portugal entrou numa nova era. A monarquia constitucional, ainda frágil, consolidou-se. A liberdade, conquistada com sangue e sacrifício, tornou-se a pedra angular da política nacional.

D. Miguel, o usurpador, foi derrotado. E os seus inimigos, os liberais, foram os que ficaram para contar a história.

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