Capítulo VIII – A Conspiração de 1829: O Preço da Revolta

I. O Sonho de Uma Revolução Impossível

Havia um tempo em que o Marquês de Palmela acreditava na possibilidade de uma revolução vitoriosa contra o regime absolutista de D. Miguel. O desejo de libertar Portugal da tirania fervilhava nos salões da resistência liberal no exílio. Porém, entre o desejo e a concretização existia um abismo: não havia meios para tal empreitada.

Ainda assim, tentaram. A conspiração de 1829 foi mais um capítulo da luta contra o absolutismo, um plano desenhado em sombras, sustentado por promessas e impulsionado pelo desespero.

“Que em Lisboa e em algumas partes do reino havia muitos desejos de derrubar o tirano, é algo de que não se pode duvidar; mas daqui a colocar em prática o que se desejava, não havia meios para isso.”

O Cerco do Porto, Luz Soriano.

Palmela negou sempre envolvimento direto na conspiração. Mas as cartas que enviou ao Conde do Sabugal, no Rio de Janeiro, evidenciam o seu empenho em manter viva a resistência:

“Não perco de vista o emprego de meios indiretos, para me pôr em comunicação com os indivíduos que podem em Portugal servir a nossa causa. Para esse fim partiu daqui há poucos dias um oficial determinado a expor-se a quaisquer riscos.”

Esse oficial era Inácio Perestrello Marinho Pereira.


II. José Ferreira Borges e o Plano para Derrubar D. Miguel

Entre os conspiradores destacava-se José Ferreira Borges, um dos mais ardentes defensores do constitucionalismo. Vindo de Inglaterra, chegou ao Tejo a bordo de uma fragata francesa, convencido de que Lisboa estava pronta para se erguer contra D. Miguel.

A sua missão era perigosa: tentar coordenar um levante a partir da capital. Mas os espiões miguelistas estavam por toda a parte. A sua chegada foi imediatamente divulgada, e o governo miguelista conhecia os seus planos antes mesmo que ele os pudesse pôr em prática.

A revolta foi esmagada antes de começar. Ferreira Borges fugiu de Lisboa antes que pudesse ser preso, refugiando-se novamente em Inglaterra. A única coisa que conseguiu foi precipitar a morte de vários companheiros, lançados ao cadafalso pela sua tentativa falhada.

“Nada mais foi semelhante revolta do que um completo desaguisado, parecendo ter-se tido somente em vista comprometer famílias, fazer vítimas e apanhar dinheiro.”

A repressão não se fez esperar.

“Seja como for, é certo que foram tão indiscretas as combinações ideadas por Ferreira Borges que a pessoa mais importante que apareceu nesta empreitada, o brigadeiro Alexandre Manuel Moreira Freire, se deixou loucamente agarrar dentro do quartel da antiga brigada real da marinha, na Rua da Boa Vista.”

As ruas estavam repletas de soldados miguelistas. A prisão de Moreira Freire precipitou tudo.

“A polícia, advertida igualmente do ocorrido, acudiu ao local das suspeitas, começando também a prender pelas ruas vizinhas quantas pessoas encontrou, uma boa parte das quais nada sabia do que se premeditava.”

A conspiração liberal não teve qualquer hipótese.


III. A Captura de Inácio Perestrello: Amor e Morte

Entre os homens caçados pela polícia miguelista estava Inácio Perestrello Marinho Pereira. Mas, ao contrário dos outros conspiradores, não fora apenas a política que o trouxera de volta a Lisboa.

Ele voltara por amor.

Entre as sombras da cidade, procurava a mulher que desejava desposar: Helena Dulac. Talvez acreditasse que poderia fugir com ela antes que fosse tarde demais. Talvez esperasse encontrar refúgio entre os amigos liberais.

Mas a cidade não era segura para um homem marcado para morrer.

“Correu entre algumas pessoas que Perestrello não viera de Londres para Lisboa com o positivo fim de se associar à revolta promovida por José Ferreira Borges, mas levado somente por efeito das saudades de ver uma senhora a quem muito do coração amava.”

A polícia miguelista encontrou-o antes de conseguir escapar. Quando lhe perguntaram quem era, não podia dizer a verdade. Não podia comprometer Helena. Não podia expô-la à vingança do regime.

Então, deu um nome falso.

“Obrigado a dizer quem era, e não querendo comprometer a honra da senhora a quem amava, pois a sua grande predileção por ela era sabida, deu o nome de Barreiros.”

Mas o nome que escolheu era igualmente odiado pelos miguelistas. O verdadeiro Joaquim Vellez Barreiros era um oficial emigrado em Brest, outro inimigo do regime.

Inácio fora condenado antes mesmo de confessar a sua verdadeira identidade.

Quando percebeu que iria morrer por um crime que não cometeu, tentou corrigir o erro. Mas já era tarde.

“Vendo que era condenado à morte por culpas alheias, declarou então o seu verdadeiro nome, algo que todavia não o livrou da pena de morte, a que os algozes togados o condenaram, para glória e exaltação da justiça miguelista.”


IV. A Noite de 9 de Janeiro e o Destino dos Conspiradores

A revolta planeada para 19 de dezembro de 1828 foi adiada por receio de que a polícia estivesse alerta. A nova data foi marcada: 9 de janeiro de 1829.

A cidade mergulhava na escuridão. O brigadeiro Alexandre Moreira Freire e os seus homens dirigiram-se para o quartel da antiga brigada da marinha, com a intenção de sublevar os soldados e marchar para o Rossio.

Mas tudo correu mal.

“Moreira não foi, todavia, protegido, nem auxiliado pelo modo que esperava, e vendo por outro lado que o oficial comandante da guarda e o do estado-maior não eram aqueles com quem contava, titubeou logo às primeiras perguntas que lhe dirigiram.”

Em minutos, o golpe estava desfeito.

As portas do quartel foram fechadas. Moreira Freire foi preso. Os outros insurgentes, caçados nas ruas. E, no dia seguinte, os julgamentos começaram.

A sentença já estava escrita antes mesmo das audiências. Os liberais tinham de morrer.

“Para processar os culpados criou-se logo a comissão especial, da qual resultou serem executados no Cais do Sodré, no dia 6 de março de 1829, o brigadeiro Alexandre Manuel Moreira Freire, José Gomes Ferreira Braga, Inácio Perestrello Marinho Pereira, Jayme Chaves Scarnichia e António Bernardo Pereira Chaby.”

Morreram como traidores, mas na realidade eram mártires.


V. O Terror de D. Miguel e a Força do Legado

A execução destes homens não foi um ato isolado. O governo miguelista tornara-se uma máquina de perseguição, funcionando através do medo e da força.

“O governo miguelista, tendo por si a exaltação da plebe, a proteção tácita de alguns dos gabinetes da Europa, e sobretudo a do ministério do Duque de Wellington, além da tolerância que todos os mais lhe davam para fazer o que muito bem quisesse, não duvidou, logo atrás dos primeiros, levantar segundos cadafalsos, e por este modo dar largas aos seus rancorosos ressentimentos e inveterados ódios contra os liberais.”

A brutalidade do regime não passou despercebida.

A morte de Perestrello, Moreira Freire e os restantes companheiros não silenciou a causa liberal. Pelo contrário. Cada enforcado, cada exilado, cada família destruída tornou-se um símbolo de resistência.

O fim do absolutismo estava cada vez mais próximo.

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Capítulo X – O Regresso de Inácio Perestrello a Portugal e a Conspiração de 1829

Capítulo IX – José Ferreira Borges e a Conspiração Liberal