Capítulo X – O Regresso de Inácio Perestrello a Portugal e a Conspiração de 1829

I. O Último Regresso

Inácio Perestrello regressou a Portugal com um nome falso e um destino traçado. O país que o esperava já não era o mesmo que ele deixara. O governo miguelista reforçara-se, e o absolutismo consolidava-se através do terror, com prisões arbitrárias, execuções sumárias e a supressão de qualquer resistência.

Apesar dos riscos, o seu espírito inquieto e a sua lealdade à causa liberal falaram mais alto. Voltou disfarçado, trajando como um almocreve, um simples vendedor ambulante, para evitar chamar a atenção das patrulhas miguelistas. Mas Inácio não voltava apenas para lutar. Quem o conhecia sabia que um outro motivo, mais íntimo e mais humano, o movia: a promessa feita à mulher que amava.

Na sombra das ruas de Lisboa, em casas secretas, velhos amigos reuniam-se. O plano era claro: criar uma revolta coordenada no norte do país, mobilizar tropas fiéis à Carta Constitucional e preparar o caminho para uma intervenção de D. Pedro IV, então no exílio. Mas a conspiração já estava comprometida antes mesmo de começar.

“Não há dúvida que uma vez aberta para qualquer homem a carreira dos crimes, o hábito de os perpetrar lhe quebra de algum modo as faculdades morais (…). O governo miguelista, tendo por si a exaltação da plebe, a proteção tácita de alguns dos gabinetes da Europa (…), não duvidou, logo atrás dos primeiros, levantar segundos cadafalsos.”
O Cerco do Porto, Luz Soriano

A polícia política de D. Miguel, sempre alerta, soube do plano antes mesmo da sua execução.


II. A Noite da Conspiração

Na noite de 9 de janeiro de 1829, o brigadeiro Alexandre Manuel Moreira Freire, acompanhado do seu filho, tentou sublevar a Brigada Real da Marinha. O plano era fazer os soldados aderirem ao movimento liberal e, a partir dali, marchar até ao Rossio, onde outros rebeldes os aguardariam para proclamar D. Maria II rainha legítima de Portugal.

Mas algo correu terrivelmente mal.

“Moreira não foi todavia protegido, nem auxiliado pelo modo que esperava, e vendo por outro lado que o oficial comandante da guarda e o do estado-maior não eram aqueles com quem contava, titubeou logo às primeiras perguntas que lhe dirigiram.”

A conspiração desmoronou-se em poucos minutos. As portas do quartel foram fechadas antes que qualquer soldado pudesse desertar. Os líderes foram capturados, os oficiais miguelistas não hesitaram em prender todos os que ali estavam. Enquanto isso, pelas ruas de Lisboa, a polícia prendia todos aqueles que pareciam suspeitos.

Inácio Perestrello foi interpelado pela polícia quando voltava da casa de Helena Dulac, a mulher que planeava desposar. Negou o seu nome verdadeiro para protegê-la, identificando-se como Joaquim Vellez Barreiros, um nome que figurava na lista negra do regime.

Este erro selou o seu destino.

“As irregularidades desta monstruosa sentença foram de tal natureza que o infeliz Perestrello foi condenado com o nome suposto de Joaquim Vellez Barreiros, que deu no ato da sua prisão; e como este Barreiros era um oficial emigrado, Perestrello foi condenado pelos seus supostos crimes, sem que para nada lhe valesse a declaração que fez do seu verdadeiro nome, depois de condenado à morte.”


III. O Julgamento e a Sentença

A repressão não se fez esperar. Os detidos foram submetidos a julgamentos sumários, conduzidos por uma comissão especial criada apenas para condená-los. O processo não passava de uma formalidade. A sentença já estava decidida antes mesmo do primeiro interrogatório.

Entre os condenados à morte estavam o brigadeiro Moreira Freire, José Gomes Ferreira Braga, Jaime Chaves Scarnichia, António Bernardo Pereira Chaby e Inácio Perestrello.

“O coração paternal de D. Miguel ofendeu-se com a sentença, na qual queria ver todos os implicados condenados à pena capital. Com o pretexto de irregularidade no processo, mandou reformar a sentença, resultando na condenação à forca do brigadeiro Moreira, do bravo coronel Perestrello (…), de dois oficiais e do infeliz aspirante Chaby (com 17 anos de idade).”

A recusa em aceitar a injustiça levou Inácio a declarar a sua verdadeira identidade. Mas era tarde demais. O tribunal não reconsiderou. O seu destino já estava selado.


IV. O Cadafalso no Cais do Sodré

Na manhã de 6 de março de 1829, Lisboa despertou com um peso no ar. O Cais do Sodré tornara-se um palco de horror.

Uma multidão silenciosa e temerosa observava enquanto os condenados eram levados para o cadafalso. A repressão miguelista queria sangue e queria um espetáculo. O exército cercava a praça, garantindo que ninguém interrompesse a execução.

“A sentença foi executada no Cais do Sodré no dia 6 de março de 1829 nas seguintes pessoas:
Alexandre Manuel Moreira Freire, brigadeiro graduado da Brigada de Marinha.
José Gomes Ferreira Braga, segundo tenente de artilharia de Pernambuco.
Inácio Perestrello Marinho Pereira, coronel de milícias de Viana, enforcado sob o nome de Joaquim Vellez Barreiros.
Jaime Chaves Scarnichia, soldado nobre da Brigada de Marinha.
António Bernardo Pereira Chaby, aspirante a guarda-marinha.”

Inácio lutou até ao fim. Gritou as suas últimas palavras, mas os tambores abafaram a sua voz.

“Eu morro pela liberdade, assim como por ela vivi; o meu último alento é uma respiração de ódio e execração ao usurpador e tirano da minha pátria.”

O silêncio que se seguiu foi mais pesado do que qualquer grito.


V. O Eco da Morte e a Luta que Continuou

A execução de Inácio não extinguiu a causa liberal. Pelo contrário, reforçou-a. Os mártires de 1829 tornaram-se símbolos da resistência contra D. Miguel e, três anos depois, as tropas de D. Pedro IV desembarcariam em Portugal para vingar os mortos e restaurar a Carta Constitucional.

A repressão não deteve a História.

E o nome de Inácio Perestrello Marinho Pereira não seria esquecido.

“A sua vida terminou na forca, mas o seu nome viverá enquanto houver quem lute pela liberdade.”

Este excerto de José Liberato Freire de Carvalho, publicado em 1842, é um relato dramático e profundamente emotivo sobre os acontecimentos da conspiração de 1829 e a execução dos liberais, incluindo Inácio Perestrello Marinho Pereira. O texto não se limita a narrar os factos históricos, mas carrega uma forte carga ideológica e emocional, destacando os horrores do governo miguelista e a brutalidade da repressão contra os opositores do regime.


Análise e Integração do Documento no Capítulo

A Última Noite de Inácio Perestrello

O relato de José Liberato apresenta-nos uma cena sombria e carregada de tensão no dia da execução. A descrição do cortejo fúnebre que percorre as ruas de Lisboa, com soldados armados, sacerdotes rezando e multidões em silêncio, é um retrato vívido de um regime que procurava inspirar o terror e silenciar qualquer oposição.

“Tinha levantado durante a noite uma forca no Cais do Sodré, um dos locais mais concorridos nas margens do Tejo. Numerosos destacamentos de infantaria e cavalaria cercavam o cadafalso e guarneciam as ruas. Às dez horas da manhã, os condenados começaram a marcha, precedidos por soldados de infantaria e cavalaria, pelos irmãos da misericórdia, cobertos com os seus amplos mantos pretos, com o crucifixo na frente, tocando de quando em quando a campainha dos sentenciados à morte.”

A cena tem um caráter teatral, quase ritualístico. O governo miguelista não se limitava a executar os prisioneiros, mas fazia questão de encenar a morte dos liberais como uma demonstração pública de força.


A Identidade Troca de Inácio Perestrello

A execução de Inácio Perestrello com o nome falso de Joaquim Vellez Barreiros é uma das passagens mais perturbadoras desta história. Segundo o autor, Perestrello escondeu a sua identidade para proteger a honra da mulher amada, mas, quando percebeu que seria condenado por crimes que não cometeu, revelou o seu verdadeiro nome.

“Perestrello foi condenado com o nome de Joaquim Vellez Barreiros, e como este Barreiros era um oficial emigrado, foi condenado pelos seus supostos crimes. Nem a sua declaração solene posterior conseguiu salvá-lo.”

A insistência do governo miguelista em não corrigir o erro e em condená-lo mesmo após a revelação da sua identidade demonstra o caráter arbitrário e brutal da justiça miguelista. Esta passagem reflete a fúria do regime, que não hesitava em sacrificar inocentes em nome da repressão.


As Últimas Palavras de Inácio Perestrello

José Liberato regista um dos momentos mais simbólicos da execução: o grito de Perestrello antes de morrer.

“Portugueses, ocultei o meu nome, porém quero morrer com as honras que me são devidas; sou Ignácio Perestrello, e já sabeis qual foi a minha vida; perco-a sem pena se puder deixar-vos uma recordação fecunda de patriotismo. Não esqueçais que nunca deixei de combater a tirania, e que o meu último suspiro é pela liberdade.”

A forma como o regime reagiu ao seu discurso é um testemunho do medo que os miguelistas tinham da resistência liberal. Como os seus últimos gritos poderiam inspirar a multidão, fizeram rufar os tambores para abafá-los.

“Julgando que continuaria a falar, e receosos do efeito que as suas palavras poderiam produzir, fizeram rufar todos os tambores ao mesmo tempo, para que as suas palavras não chegassem ao povo.”

O silêncio forçado imposto pela ditadura de D. Miguel não conseguiu apagar a memória do sacrifício de Inácio Perestrello e dos outros condenados. Pelo contrário, tornou-os mártires da causa liberal.


A Noiva de Inácio Perestrello e a Tragédia Romântica

O relato também contém um dos elementos mais trágicos e dramáticos desta história: a morte da noiva de Perestrello.

“A noiva de Perestrello, que assistia ao suplício do seu amante, lançando um grito de horror, precipitou-se no rio onde encontrou a morte.”

Ainda que não existam provas documentais deste suicídio, a inclusão desta passagem no texto reforça a dimensão trágica e romântica da morte de Inácio Perestrello. Independentemente da sua veracidade, esta história ecoa um sentimento coletivo de perda e injustiça, tornando-se uma narrativa poderosa no imaginário liberal.


A Violência Pós-Execução

O relato de José Liberato vai além da execução e menciona os castigos adicionais infligidos aos corpos.

“Cinco horas durou a trágica cena daquelas execuções políticas; depois de enforcados, o carrasco separou as cabeças dos troncos e cravou-as em estacas que permaneceram muitos dias no local da execução.”

Esta passagem tem um tom quase medieval, sublinhando a crueldade do regime miguelista. A exibição pública dos cadáveres e a sua mutilação não tinham qualquer razão militar ou política racionalera puro terror psicológico.

Além disso, menciona-se o destino de outros prisioneiros, muitos deles enviados para presídios africanos ou deixados para morrer de fome.

“Eram tantos os presos políticos, que não cabendo já nas prisões, foram amontoados nos horrendos porões de embarcações velhas. D. Miguel inventou o que a nenhum tirano havia até então ocorrido: não dar de comer àqueles que mandava prender.”

O uso da privação de alimentos como método de repressão é um detalhe macabro e revelador do nível de crueldade imposto pelo regime.


Conclusão: O Valor Histórico e Simbólico deste Relato

O texto de José Liberato Freire de Carvalho não é apenas um documento histórico, mas uma peça de propaganda liberal, moldada para indignar e mobilizar. Os detalhes dramáticos, as descrições das execuções e o tom emocional fazem parte de uma estratégia para garantir que a memória destes mártires não fosse esquecida.

Pontos-chave a reter:

  • A execução de Inácio Perestrello e seus companheiros foi um ato de terror político, destinado a dissuadir futuras conspirações.
  • A identidade trocada de Inácio Perestrello ilustra a arbitrariedade do regime miguelista, que nem se preocupava em corrigir os seus próprios erros judiciais.
  • As últimas palavras de Perestrello e a tentativa de abafá-las mostram o medo do regime em relação à influência dos mártires liberais.
  • A morte da sua noiva – ainda que possa ter sido um mito criado posteriormente – reforça a dimensão romântica e trágica da sua história.
  • A exibição e mutilação dos corpos foi um ato de crueldade extrema, cujo objetivo era humilhar os liberais mesmo após a morte.
  • As perseguições e os maus-tratos a presos políticos mostram que o absolutismo miguelista não se limitava às execuções públicas, mas também utilizava formas indiretas de extermínio.

Com este documento, torna-se evidente porque a figura de Inácio Perestrello se tornou um símbolo da resistência liberal. O seu nome ecoaria durante décadas como um dos mártires da liberdade, e a sua morte serviria de inspiração para aqueles que continuaram a lutar contra o absolutismo.

A Tragédia de Inácio Perestrello e o Contexto da Conspiração de 1829

O relato de José Liberato Freire de Carvalho em Anais para a História do Tempo (1842) oferece um testemunho detalhado e indignado sobre o destino de Inácio Perestrello Marinho Pereira e os seus companheiros, vítimas da repressão miguelista. O autor, claramente alinhado com o liberalismo, expõe com veemência os abusos judiciais, as execuções arbitrárias e a brutalidade do regime de D. Miguel I.


A Farsa Judicial e a Execução de Perestrello

A execução de Inácio Perestrello e de outros liberais tornou-se um símbolo da violência política da época. O tribunal especial, composto por militares e magistrados alinhados ao regime, montou um julgamento apressado, onde as provas eram frágeis ou inexistentes.

“Tão somente o brigadeiro Moreira podia ter excitado suspeitas contra si, porém não podia haver igual suspeição contra os outros. Isto não obstante, foram condenados à morte, e enforcados no dia 6 de março os cinco indivíduos seguintes: Alexandre Manuel Moreira Freire, José Gomes Ferreira Braga, Inácio Perestrello Marinho Pereira, Jaime Chaves Scarnichia e António Bernardo Pereira Chaby.”

Esta passagem revela a arbitrariedade das condenações. As execuções serviam, acima de tudo, para reforçar o terror e eliminar qualquer possibilidade de insurreição. A acusação contra Perestrello, em particular, é ainda mais absurda devido à questão da identidade falsa.


O Nome Falso e a Insistência do Regime na Execução

A história de Perestrello torna-se ainda mais trágica pelo erro (ou desinteresse) do tribunal em verificar a sua verdadeira identidade.

“Houve ainda nesta sentença uma enormidade atroz, que foi sentenciar e enforcar o infeliz Perestrello com um nome falso, o de Joaquim Vellez Barreiros. Este Barreiros era um tenente desligado, que, em 1824, foi expulso do exército e condenado, por ser constitucional, a seis anos de degredo para Angola.”

O nome de Joaquim Vellez Barreiros, de um oficial constitucionalista exilado, foi usado por Perestrello para esconder a sua identidade no momento da captura. Contudo, quando revelou quem realmente era, isso não lhe valeu de nada. A justiça miguelista ignorou as provas e levou a condenação até ao fim.

“Apesar de seu irmão, que estava em Lisboa, ter declarado o engano e mostrado cartas do irmão datadas de França, nada disso valeu para anular tão informe e monstruosa sentença.”

O descaso pela verdade judicial revela o caráter puramente punitivo e repressivo do julgamento. O tribunal não estava interessado na verdade, apenas em produzir mártires para aterrorizar outros opositores.


A Vida Militar de Perestrello e a sua Trajetória até à Execução

O documento também enfatiza o heroísmo e a trajetória militar de Inácio Perestrello, destacando o seu serviço na Legião Portuguesa e a sua participação nas lutas liberais.

“Perestrello era natural de Ponte de Lima e de uma família ilustre. Passou à França com o exército português, que para ali foi mandado por Junot, onde militou com tanto valor e honra que por isso ganhou a insígnia da Legião de Honra.”

A sua distinção em combate demonstra que não era um revolucionário qualquer, mas um homem com experiência militar, inteligência e influência. O seu papel nas campanhas contra os miguelistas e a sua participação na insurreição do Porto de 1828 fazem dele uma figura ameaçadora para o regime absolutista.

“No seu regresso a Portugal, destinou-se a fazer um curso de estudos em Coimbra, mas, em 1823, quando os estudantes se armaram para repelir a rebelião que surgiu em Trás-os-Montes, dirigida pelos Silveiras, deixou os estudos e pegou na espada em defesa da liberdade da sua pátria.”

A narrativa dá uma dimensão épica à sua história, apresentando Perestrello como um defensor incansável da liberdade.


O Destino dos Outros Condenados

O autor também detalha o futuro dos outros implicados na conspiração. Nem todos foram executados, mas as penas eram brutais.

“Foram condenados por toda a vida para diversos presídios de África João António Lopes, Bento José Antunes, Jacinto Pimentel Moreira e António Maria Alves de Aguiar, ficando somente com degredo por dez anos António José de Torres e António Júlio Pereira d’Eça.”

O envio de condenados para presídios africanos era uma sentença de morte lenta, devido às condições extremas. Este era um dos instrumentos de repressão mais temidos da época.


A Ironia Cruel de D. Miguel

A crueldade de D. Miguel transparece na descrição final do episódio. O rei, não satisfeito com as execuções, fez questão de assistir às consequências do seu próprio ato.

“O tirano, não contente com saber que já estava derramado esse sangue ilustre, que tantos cuidados havia dado à sua feroz usurpação, ainda fez uma pequena viagem pelo Tejo para, na volta, se aproximar à praia e ver as cabeças das vítimas, que sua ímpia crueldade havia mandado cravar em altos postes no Cais do Sodré.”

Se esta passagem for verídica, trata-se de um ato de sadismo político extremo. A exibição pública dos corpos era um aviso claro de que qualquer tentativa de insurreição seria punida sem piedade.


A Memória de Perestrello como Símbolo de Resistência

A narrativa de José Liberato Freire de Carvalho não é neutra, mas sim um testemunho apaixonado da brutalidade do absolutismo. O autor apresenta Perestrello não apenas como uma vítima, mas como um herói imortal da liberdade.

“Arrastado pelo seu destino, foi para Lisboa, onde se tornou uma das vítimas que, um dia, haveriam de honrar a liberdade da sua pátria. Assim, o seu nome ilustre não morrerá e passará à posteridade como o de um dos mártires que derramaram o seu sangue para que nós, portugueses, pudéssemos ainda vir a ser livres.”

A sua morte foi um golpe profundo na causa liberal, mas, ao mesmo tempo, um catalisador para a resistência contra D. Miguel. Como outros mártires, o seu sacrifício fortaleceu o movimento que, anos depois, derrubaria o absolutismo.

Elementos centrais a destacar:

  • O julgamento de Perestrello foi um espetáculo de terror político, sem qualquer interesse pela justiça.
  • A troca de identidade e a recusa em corrigir o erro demonstram a brutalidade da repressão miguelista.
  • A narrativa constrói Perestrello como um herói trágico, que sacrificou tudo pela causa liberal.
  • O autor denuncia a ferocidade do regime de D. Miguel, incluindo a exibição de cabeças e o uso de deportações como punição.
  • A memória de Perestrello não morreu com ele, mas tornou-se um símbolo da resistência liberal.

Com este relato, fica claro que a execução de Perestrello não eliminou a sua causa – pelo contrário, ajudou a imortalizá-la.

A Injustiça da Sentença: A Execução de Inácio Perestrello e os Outros Condenados

O exame minucioso da sentença oficial contra os conspiradores de 1829, exposto em Anais para a História do Tempo por José Liberato Freire de Carvalho, oferece uma visão detalhada da forma como a justiça miguelista foi manipulada para servir a repressão política. A análise apresentada pelo autor revela a total falta de provas concretas, a incompetência dos juízes e a natureza arbitrária das condenações.


O Processo como Ferramenta de Perseguição

Desde o início, percebe-se que a comissão especial foi criada com um propósito bem definido: garantir a condenação dos acusados, independentemente da sua real culpa.

“Basta esse decreto, com a escolha dos juízes que nele vêm nomeados, para se conhecer a sentença que eles dariam; e bem claro se deixa ver, pela nenhuma necessidade que havia dessa comissão, a muita vontade que tinha o governo de derramar o sangue dos inocentes.”

A criação dessa comissão militar ad hoc, em vez de um julgamento regular pelos corregedores do crime, demonstra que o governo já havia decidido o destino dos acusados antes mesmo do julgamento. Os juízes foram selecionados não pela sua imparcialidade, mas pela sua lealdade ao regime miguelista.


A Condenação Sob um Nome Falso

A condenação de Inácio Perestrello sob o nome de Joaquim Vellez Barreiros é uma das evidências mais gritantes da falsificação do processo judicial.

“Houve ainda nesta sentença uma enormidade atroz, que foi sentenciar e enforcar o infeliz Perestrello com um nome falso, o de Joaquim Vellez Barreiros.”

O verdadeiro Joaquim Vellez Barreiros estava exilado em Brest, e seu irmão, que se encontrava em Lisboa, tentou provar o erro ao tribunal, mas foi ignorado. Isto revela não apenas um erro processual grave, mas um desprezo absoluto pela verdade e pelo direito.


A Força das Palavras de Perestrello Antes da Execução

A injustiça da sentença não impediu Perestrello de deixar uma última mensagem à posteridade:

“Portugueses, ocultei o meu nome, porém quero morrer com as honras que me são devidas; sou Ignácio Perestrello, e já sabeis qual foi a minha vida; perco-a sem pena se puder deixar-vos uma recordação fecunda de patriotismo.”

A tentativa de silenciar suas palavras com os tambores reflete o medo do regime miguelista de que sua execução pudesse transformar-se em um símbolo de resistência.


A Falta de Provas Contra os Condenados

O exame da sentença revela que não havia provas concretas contra os acusados. O tribunal não conseguiu apresentar testemunhas confiáveis, nenhuma correspondência comprometedora foi encontrada, e não havia ligações diretas entre Moreira e os demais condenados.

“Onde se viu jamais, senão nesta sentença, acusarem-se homens de corréus e confederados com homens desconhecidos?”

Os acusados foram julgados não pelos seus atos, mas pelo que representavam: a ameaça da oposição liberal ao absolutismo miguelista.


O Desprezo Pelas Garantias Legais

A sentença, além de se basear em provas frágeis ou inexistentes, violava os princípios do direito natural.

“A sentença é nula por direito quando é contra direito expresso (…). Quem poderá jamais sair condenado, se o afirmar, por parte da justiça, for bastante para os réus saírem condenados?”

Os acusados não tiveram advogados adequados, foram julgados em menos de 24 horas, e suas defesas foram ignoradas ou ridicularizadas pelos juízes. A decisão do tribunal não se baseou na justiça, mas sim em um desejo de eliminar os opositores políticos.


A Crueldade do Regime e o Espectáculo das Execuções

D. Miguel, além de ordenar essas execuções sumárias, demonstrava um sadismo político extremo ao exibir os corpos dos condenados publicamente.

“O tirano, não contente com saber que já estava derramado esse sangue ilustre, que tantos cuidados havia dado à sua feroz usurpação, ainda fez uma pequena viagem pelo Tejo para, na volta, se aproximar à praia e ver as cabeças das vítimas.”

A exibição pública dos cadáveres tinha um propósito claro: servir como um aviso aterrorizante para qualquer outro liberal que ousasse desafiar o governo absolutista.


A Reação Popular e o Impacto Posterior

Apesar do esforço para esmagar a oposição, as execuções de Perestrello e seus companheiros serviram para aumentar a indignação popular e fortalecer a resistência liberal.

“O sentimento geral de indignação que todas as classes do povo manifestaram contra a política de D. Miguel não fez a mesma impressão nos indivíduos que nos governavam.” (José Liberato Freire de Carvalho, 1842)

Os eventos de 1829 contribuíram para alimentar o movimento liberal, que anos depois culminaria na queda definitiva de D. Miguel em 1834.


O exame da sentença e da execução de Inácio Perestrello revela a brutalidade do regime miguelista e a completa subversão da justiça para fins políticos. O tribunal não atuou como um órgão legal, mas como uma ferramenta de repressão e vingança.

  • A condenação sob um nome falso revela o desprezo pela justiça e pela verdade.
  • A ausência de provas concretas expõe a natureza política do julgamento.
  • A exibição pública dos cadáveres demonstra a crueldade do regime.
  • A indignação popular com estas execuções contribuiu para a futura queda do absolutismo.

A história de Inácio Perestrello Marinho Pereira não terminou com sua morte. Sua memória tornou-se um símbolo da resistência liberal, e sua execução foi mais um passo rumo à vitória final da causa constitucionalista.

A Conspiração de 1829 e a Sentença de Inácio Perestrello

O julgamento e execução de Inácio Perestrello e de outros liberais em 1829 foram um marco de repressão do regime miguelista. Documentos da época revelam as profundas irregularidades do processo, desde a falsificação de provas à prisão e condenação sem evidências concretas.

A Captura e Julgamento

“Que nenhum dos chamados sócios do Moreira fora apreendido dentro do quartel, a sentença o diz, quando declara que o oficial de guarda a ele nem o ajudante de ordens, por mais que o pediu Moreira, deixou entrar; e ainda é mais explícita a sentença quando refere o que se passou depois que o oficial do dia deu voz de prisão a Moreira: este (diz a sentença), mostrando-se ressentido, passou logo a forcejar para se evadir, e a chamar pelo fingido ajudante de ordens, dando-lhe parte por suas vozes aflitivas de que estava preso, sem que pudesse conseguir, nem por meio dele, nem daqueles que o cercavam, socorro algum, porque todos o abandonaram, pondo-se em fuga para não serem presos, como lhes aconteceria pelas providências que logo foram dadas.”

Este excerto demonstra claramente que nenhum dos sentenciados foi preso dentro do quartel nem em flagrante delito, o que contraria diretamente as acusações da sentença.

“Todos foram presos fora do quartel, em diferentes ruas e becos; alguns a distância do quartel da Brigada, e a horas desencontradas; e um deles, António Júlio Pereira d’Eça, à uma hora da noite pela guarda da polícia no Beco do Carrasco, quatro para cinco horas depois da prisão de Moreira.”

A fragmentação das detenções e a falta de conexão direta entre os acusados e a suposta revolta revelam um julgamento conduzido de forma arbitrária.

A Execução de Inácio Perestrello

A execução de Inácio Perestrello foi especialmente brutal e marcada por uma farsa processual.

“Houve ainda nesta sentença uma enormidade atroz, que foi sentenciar e enforcar o infeliz Perestrello com um nome falso, o de Joaquim Vellez Barreiros. Este Barreiros era um tenente desligado, que, em 1824, foi expulso do exército e condenado, por ser constitucional, a seis anos de degredo para Angola. Posteriormente, foi perdoado por decreto de 3 de junho do mesmo ano, e então se encontrava emigrado em Brest, fazendo parte da tropa fiel que ali tinha chegado na sua volta da Terceira. Apesar de seu irmão, que estava em Lisboa, ter declarado o engano e mostrado cartas do irmão datadas de França, nada disso valeu para anular tão informe e monstruosa sentença. O malfadado Perestrello foi assim mesmo, com este falso nome, assassinado em um cadafalso!”

Perestrello foi condenado e executado sob uma identidade falsa, o que demonstra não apenas a fragilidade das acusações, mas também a vontade premeditada do regime miguelista de executar o maior número possível de liberais, mesmo sem provas concretas.

O Cenário da Execução

Os relatos contemporâneos descrevem um espetáculo macabro montado pelo regime para servir de exemplo:

“O dia da execução foi um dia de luto para a cidade. Tinham levantado durante a noite uma forca no Cais do Sodré, um dos locais mais concorridos nas margens do Tejo. Numerosos destacamentos de infantaria e cavalaria cercavam o cadafalso e guarneciam as ruas. […] Durante meia hora, aqueles bárbaros mantiveram as suas vítimas em pé em frente aos ataúdes antes de lhes tirar a vida.”

A execução foi realizada de forma cruel, prolongada e com o intuito de aterrorizar a população e dissuadir futuros levantes.

“Cinco horas durou a trágica cena daquelas execuções políticas; depois de enforcados, o carrasco separou as cabeças dos troncos e cravou-as em estacas que permaneceram muitos dias no local da execução.”

A exposição dos corpos e das cabeças foi um último gesto de brutalidade e repressão, demonstrando o caráter sanguinário do regime.

O julgamento e execução de Inácio Perestrello foram claros exemplos da injustiça cometida pelo regime miguelista. O uso de provas fabricadas, a prisão arbitrária e a execução sob nome falso demonstram o caráter opressor do governo e a falta de qualquer compromisso com a justiça. Mais do que um simples ato de repressão, este evento tornou-se um símbolo da brutalidade do absolutismo e um estímulo para a resistência liberal que culminaria na vitória dos liberais na Guerra Civil Portuguesa.

A Guerra Civil Portuguesa (1832-1834)

A disputa entre liberalismo e absolutismo atingiu o seu clímax na Guerra Civil Portuguesa, um conflito fratricida que moldou irreversivelmente o destino do país. O embate entre D. Pedro IV, defensor do constitucionalismo, e D. Miguel, sustentáculo do absolutismo, tornou-se a manifestação suprema da luta entre dois mundos: o velho regime, calcado na tradição e na centralização monárquica, e o novo ideal, inspirado pelos ventos de liberdade que sopravam pela Europa desde a Revolução Francesa.

O Desembarque no Mindelo

D. Pedro, ex-imperador do Brasil, regressou à Europa com um propósito claro: restaurar a Carta Constitucional de 1826 e reverter o golpe absolutista do irmão. Em 8 de julho de 1832, desembarcou em Mindelo, nas proximidades do Porto, à frente de um exército de sete mil e quinhentos homens, uma força composta por liberais exilados, mercenários estrangeiros e veteranos das guerras napoleónicas.

O desembarque foi uma manobra ousada e cuidadosamente planejada. Aproveitando a hesitação das forças miguelistas e o apoio de setores liberais no Norte do país, os expedicionários conseguiram estabelecer uma posição segura no Porto, consolidando um baluarte de resistência. Ali, contudo, estavam cercados por um inimigo superior em número, e o que parecia ser o primeiro passo para a vitória converteu-se num longo e penoso período de resistência.

O Cerco do Porto

Durante mais de um ano, de julho de 1832 a agosto de 1833, o Porto tornou-se o coração pulsante da luta liberal. Cercada pelas tropas absolutistas, a cidade resistiu a privações inimagináveis. A fome e as doenças dizimavam a população e as forças militares, mas a resiliência dos portuenses e a determinação dos liberais impediram a capitulação. O cerco transformou-se num símbolo de tenacidade, e a cidade conquistou o epíteto de “Invicta”, um título que ainda ostenta com orgulho.

Enquanto isso, nos bastidores da diplomacia e nas águas atlânticas, novas movimentações alteravam o equilíbrio de forças. A causa liberal encontrava aliados entre as potências europeias, e a Marinha britânica, sob influência dos whigs, inclinava-se para apoiar D. Pedro. Foi no mar que o destino da guerra começou a pender para os liberais.

A Virada: Vitória Naval e a Tomada de Lisboa

O golpe definitivo contra os miguelistas foi desferido em 5 de julho de 1833, quando a esquadra liberal, comandada pelo almirante Charles Napier, obteve uma vitória esmagadora sobre a frota absolutista na Batalha do Cabo de São Vicente. Esta vitória abriu caminho para um ataque direto à capital. Em 24 de julho de 1833, as tropas liberais entraram triunfantes em Lisboa, praticamente sem resistência. A cidade, há muito desgastada pelo governo despótico de D. Miguel, recebeu os libertadores com júbilo.

A derrota miguelista tornou-se inevitável. O usurpador recuou para o interior, tentando reunir os seus últimos apoiantes, mas as deserções multiplicavam-se. Sem esperança de vitória, e sob crescente pressão internacional, D. Miguel foi forçado a negociar a rendição.

A Convenção de Évora-Monte e o Exílio de D. Miguel

Em 26 de maio de 1834, foi assinada a Convenção de Évora-Monte. O acordo estipulava a abdicação de D. Miguel e o seu exílio perpétuo. Sem alternativas, o monarca absolutista embarcou rumo à Áustria, encerrando definitivamente a sua pretensão ao trono português. O país, embora pacificado militarmente, encontrava-se devastado por anos de guerra civil e pela profunda divisão entre os seus filhos.

Consequências e Legado

A vitória liberal consolidou o regime constitucional em Portugal, mas não erradicou as feridas deixadas pelo conflito. O país entrou num período de instabilidade política, com rivalidades entre facções dentro do próprio campo liberal. O constitucionalismo foi consolidado, mas as disputas entre moderados e radicais marcariam as décadas seguintes, resultando em golpes e insurreições periódicas.

A nível social, o triunfo liberal abriu caminho para reformas estruturais. As ordens religiosas foram extintas e os seus bens nacionalizados; os privilégios da nobreza foram reduzidos; e a economia começou a ser modernizada sob influência das novas ideias do liberalismo econômico. Contudo, a guerra também deixou um rastro de empobrecimento e destruição, e a população portuguesa teve de enfrentar um longo processo de reconstrução.

Os Dois Irmãos: D. Pedro e D. Miguel

D. Pedro IV, consagrado como herói da liberdade, legou ao país o modelo constitucional que viria a sobreviver, ainda que com mudanças, até ao final da monarquia. No entanto, o peso da guerra e da doença consumiram-lhe as forças, e faleceu prematuramente em 24 de setembro de 1834, apenas quatro meses após a vitória.

D. Miguel, exilado, nunca renunciou formalmente às suas pretensões ao trono. Viveu entre a Áustria e a Itália, alimentando esperanças de restauração miguelista que jamais se concretizaram. A sua linhagem, no entanto, manteve-se ativa na política portuguesa, e os seus descendentes viriam a reintegrar-se na sociedade portuguesa no século XX.

Conclusão

A Guerra Civil Portuguesa foi o embate entre duas conceções de nação. A vitória liberal não só garantiu a sobrevivência do constitucionalismo, mas também definiu a trajetória política de Portugal para as décadas seguintes. O país, ainda dividido entre memórias do absolutismo e aspirações liberais, avançaria lentamente para a modernidade, carregando as marcas de um passado de lutas e sacrifícios.

O eco deste conflito ressoou por gerações, moldando a identidade nacional e deixando um legado que, de uma forma ou de outra, perdurou até à transição democrática do século XX. O sangue derramado pelos liberais, as privações sofridas pelos sitiados do Porto e o exílio de milhares de portugueses não foram em vão. Foram o preço pago pela liberdade, pela representação política e pelo fim de um regime que já não tinha lugar no mundo moderno.

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