Entre o visível e o invisível
“Entre o granito e o vento, o tempo abranda.
O Monte de São Lourenço não se observa — contempla-se.”
— Guia Ophiusa – The Land of Serpents
Na costa atlântica do concelho de Esposende, há um monte que olha o mar desde tempos remotos. Lugar elevado, entre o céu e a terra, o Castro de São Lourenço preserva camadas de história e silêncio, memória e permanência. Aqui, a paisagem é linguagem — e as pedras guardam o que já foi dito.
Uma aldeia castreja sobre a arriba fóssil
Este povoado fortificado, hoje classificado como Imóvel de Interesse Público (Decreto n.º 1/86), teve ocupação contínua desde o Bronze Final, por volta do 1.º milénio a.C., até à época medieval. O núcleo mais expressivo remonta à Idade do Ferro, com três linhas de muralhas, um fosso a norte e casas circulares organizadas em núcleos familiares, delimitados por muros baixos e espaços lajeados comuns.
Ao longo dos séculos, o traçado evoluiu.
Durante o domínio romano, o castro foi parcialmente transformado num vicus, com novas funções administrativas e comerciais. Algumas casas foram rebocadas, caiadas, dotadas de vestíbulos e empedramentos — sinais de adaptação e continuidade.
Arquitetura e formas de habitar
As casas mais antigas eram circulares, cobertas de materiais vegetais. Algumas tinham átrios ou vestíbulos; outras, maiores e alongadas, serviam de celeiros. Com o tempo, surgiram estruturas subcirculares e retangulares — vestígios da influência romana sobre a organização castreja.
A distribuição por núcleos familiares, cada um com 3 ou mais construções ligadas entre si, revela uma forma de vida comunitária e enraizada, em íntima ligação com o território.
A capela: herança de devoção
No ponto mais alto, sobre a antiga acrópole, ergue-se a atual Capela de São Lourenço — branca, voltada ao mar. A sua primeira referência escrita remonta a 1549, embora o local tenha já sido sagrado antes disso. O caminho até ela, que corta antigas muralhas, repete um gesto ancestral: subir para se orientar, para ver mais longe, para honrar.
Durante a romaria anual, o espaço transforma-se: o terreiro recebe peregrinos, um coreto foi ali construído, e ainda hoje se celebra a fusão entre fé popular e raízes muito mais antigas.
Centro Interpretativo e escavações
No sopé do monte, o Centro Interpretativo de São Lourenço apresenta os principais achados arqueológicos, mapas e reconstruções da vida quotidiana castreja. As primeiras escavações sistemáticas datam de 1985, sob direção de Carlos Alberto Brochado de Almeida (Universidade do Porto), com intervenções que revelaram múltiplas fases construtivas e redesenharam o conhecimento sobre a organização social e simbólica do espaço.
📍 Rua de São Lourenço, Vila Chã, Esposende
⏰ Entrada livre no exterior. Centro com horário variável.
🌐 www.visitesposende.com
Entre muralhas e penedia: o caminho do monte
O acesso faz-se pela estrada municipal que liga Esposende a Vila Chã, com desvio para um caminho em terra batida que atravessa muralhas e sobe até ao cume. O castro integra o PR6 – Trilho do Castro de S. Lourenço, um percurso circular de 10 km ao longo da arriba fóssil.
Ideal para quem procura escutar a paisagem com o corpo — e reencontrar a terra sob os pés.
Dea Sancta e outros vestígios
Entre os vestígios encontrados destaca-se uma ara dedicada à Dea Sancta, identificada inicialmente como DAFA. Esta inscrição votiva, bem como outros elementos perdidos ou destruídos ao longo do século XX (como uma terceira muralha arrasada por obras numa pedreira), revelam o carácter delicado da preservação deste território sagrado.
Na órbita simbólica do castro estavam ainda os povoados de Nossa Senhora da Paz, Cova da Bouça e o Senhor dos Desapamparados — como se este monte fosse o centro de uma geografia sagrada alargada.
Varanda sobre o tempo
O Castro de São Lourenço não é apenas um sítio arqueológico.
É uma varanda sobre o tempo.
Um lugar onde o visível e o invisível se cruzam — entre o vento e o granito.
📌 Faz parte do roteiro Ophiusa — entre Ofir e Finisterra
🌐 Lê o guia completo em: thelandofserpents.com/guia-ophiusa
📸 Imagens: atribuídas sempre que o autor é conhecido. As restantes pertencem ao acervo difuso da “memória digital” (Curadoria da Internet).