Mitos e Lendas da Serra D’Arga

Montanha Sagrada e Território de Transmutação

A Serra D’Arga, com o seu dorso coberto de carvalhos e o sopro dos lobos a ecoar nas ravinas, é mais do que um acidente geográfico — é um santuário telúrico. Aqui, a pedra fala, a água cura, e o tempo dobra-se sobre si mesmo. As lendas não são meras histórias: são vestígios de uma topografia espiritual onde o humano e o sagrado se fundem.

🜂 A Promessa de Evígio: Amor e Toponímia

Conta-se que o rei visigodo Evígio, empenhado em consolidar alianças, prometeu a mão da filha Eulália a um guerreiro de confiança. Mas o coração da princesa já batia por Egica, um jovem de origem modesta. Os dois fugiram, como nos antigos mitos de amantes contrariados, e encontraram abrigo num mosteiro eremítico escondido na serra. Ali casaram, abençoados por um monge que os escondeu do mundo.
Com o tempo, foram perdoados. Regressaram à serra em celebração, e o nome Agro — que designava a fertilidade da terra — tornou-se Arga pela boca do povo. Diz-se que ainda hoje, nas noites de nevoeiro, se ouve a voz de Eulália a murmurar promessas junto às fontes escondidas.

🜄 Santo Aginha: A Redenção Sob o Manto da Noite

Na sombra dos carvalhais, Aginha, o bandoleiro da serra, emboscava viajantes como um lobo faminto. Mas o destino quis que cruzasse caminho com um frade, e ao invés do sangue, verteu-se luz. As palavras do homem de fé foram feitiço e espelho: Aginha viu-se e, vendo-se, transformou-se.
Abandonou as armas e passou a socorrer peregrinos e lavradores, até ao dia em que foi mortalmente ferido por um camponês que desconhecia a sua metamorfose.
Quando o encontraram, o corpo de Aginha jazia sereno, perfumado como flor de giesta. Tornou-se santo popular, protetor dos que erram, dos que se perdem e dos que ousam voltar atrás. A sua capela, encravada entre penedos, ainda hoje recebe preces de quem trilha a linha entre sombra e redenção.

🜁 O Penedo dos Namorados: Presságios de Pedra

Junto ao caminho que leva ao Mosteiro de São João d’Arga, ergue-se o Penedo dos Namorados — altar laico de adivinhação afetiva. As raparigas, voltadas de costas, lançam uma pedra sobre o rochedo. Se esta permanecer no cimo, o oráculo anuncia casamento breve. Se rolar, o destino permanece em suspenso.
É um jogo antigo, entre fé e sorte, desejo e magia, que ecoa os ritos pré-cristãos de consagração da união carnal e emocional. A pedra escuta, julga e responde.


A Serra D’Arga não é apenas um cenário: é uma guardiã.
Cada gruta, cada encruzilhada, cada som do vento é uma carta do velho baralho das divindades esquecidas. Neste território liminar entre o mundo visível e o sagrado, os mitos permanecem vivos, renovando-se no corpo de quem ousa escutá-los.

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