Mitos e Lendas das Ilhas Cíes

Fragmentos Sagrados entre Céu e Mar

Erguidas como sentinelas de pedra no limiar entre a terra firme e o Atlântico indomável, as Ilhas Cíes surgem no horizonte como miragens ancoradas no tempo mítico. Chamadas de Illas dos Deuses pelos romanos, são, ao mesmo tempo, relicário celeste, abrigo de criaturas encantadas e palco de histórias onde o divino e o abissal se cruzam.

🌍 A Criação: Areia de Deus e o Escudo dos Imortais

Segundo as antigas tradições, ao terminar a criação do mundo, Deus sacudiu a mão coberta de terra, deixando cair os últimos grãos no extremo ocidental do mundo. Assim nasceram as Rías Baixas, e, entre elas, as Ilhas Cíes — três ilhotas sagradas, como dedos estendidos da mão divina, destinadas a enfrentar o rugido eterno do oceano.

Noutra lenda, os deuses celtas, prevendo a fúria das tempestades e as invasões do sul, colocaram as Cíes como escudo vivo, protegendo a Ría de Vigo e os seus povos. Ali, nada entra sem que a ilha o pressinta. Ali, tudo se transforma.


⚔️ Lendas de Conquista: Júlio César e os Hermínios

As crónicas fantásticas narram que o próprio Júlio César perseguiu os povos hermínios, ancestrais dos lusitanos, até estes se refugiarem nas grutas das Cíes. Para os alcançar, César mandou transportar uma barcaça desde Gades, atravessou a ria e conquistou os rebeldes sem levantar espada — apenas com o peso do império e do destino. Diz-se que, desde então, a ilha ecoa com suspiros de rendição e murmúrios de velhos deuses humilhados.


🍎 As Ninfas e as Maçãs de Ouro

Várias versões do mito antigo localizam aqui as Ilhas Casitérides, onde ninfas vestidas de névoa guardavam um bosque de macieiras de frutos dourados. Essas frutas, intocáveis para os mortais, ofereciam juventude e sabedoria aos navegantes eleitos — ou loucura e morte aos imprudentes. Até hoje, há quem jure ver reflexos dourados no espelho da água, entre Rodas e Monteagudo, quando a lua está alta e o vento cala.


🦜 Corsários e Encantamentos

Durante séculos, corsários como Francis Drake usaram as Cíes como covil. Diz-se que o Tesouro de Monteagudo repousa ainda numa das grutas marinhas, selado por feitiços antigos. Apenas alguém sem medo, sem avareza e com coração limpo como água de nascente poderá encontrá-lo. Ainda ninguém regressou para contar.


🧜‍♀️ Sirenas de Rodas e Donzelas Malditas

Na Praia de Rodas, de beleza etérea, viviam sirenas que guiavam pescadores perdidos até à costa, sussurrando segredos no vento. Uma delas apaixonou-se por um pescador, salvando-o durante uma tempestade. Ele regressava todas as noites, na esperança de revê-la. Diz-se que ainda hoje se escuta o seu canto entre as ondas, entre a dor e o desejo.

Na ilha vizinha de San Martiño, uma donzela apaixonou-se por um marinheiro. Descoberta pelo pai, foi amaldiçoada a vagar eternamente, à procura do amado perdido. Nas noites de neblina, o seu lamento atravessa a ria como um fio de lamento antigo.


🕯 O Espírito do Faro de Monte Faro

O antigo faro de Monte Faro é mais do que um guia marítimo. É um altar de vigília. Diz-se que o espírito de um faroeiro desaparecido em serviço ainda acende luzes fantasmagóricas, como se recusasse abandonar o seu posto. Relâmpagos sem trovão cortam a noite escura, e marinheiros supersticiosos saúdam o “guardião etéreo” com três toques de sino.


⚓ Tesouros Submersos e Naufrágios Eternos

Nas profundezas que cercam as Cíes, jazem galeões e caravelas, de velas rasgadas e porões cheios de prata, cerâmica e ouro. Mergulhadores relatam âncoras cobertas de corais, canhões calcificados pelo tempo e correntes que puxam os incautos. Os cofres fechados continuam lá — mas todos os que os tocaram… esqueceram-se de regressar.


✧ As Cíes: Fronteira Entre Realidade e Encantamento

As Ilhas Cíes não são apenas um paraíso natural — são um espelho mágico, onde se refletem os desejos e os medos de quem ousa pisar sua areia branca. Lugar de beleza cortante e silêncio místico, continuam a ser um santuário liminar da Terra das Serpentes, onde o Atlântico é voz, véu e abismo.

Entre os sussurros das ninfas e os mugidos de tesouros vigiados por bois encantados, quem caminha por estas ilhas descobre que nem tudo o que brilha é ouro — às vezes é mito. Às vezes, é verdade.

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