Tesouros Ocultos, Cidades Submersas e a Memória do Dilúvio
Erguendo-se como um guardião solitário sobre a Ría de Muros e Noia, o Monte Louro não é apenas uma elevação geológica — é um portal. Com 241 metros de altitude e uma aura quase onírica, este monte costal é envolto por um halo de silêncio espesso, onde os contornos da realidade se dissolvem no nevoeiro atlântico. Nas suas encostas e nos espelhos d’água da Lagoa das Xarfas, ressoam lendas que falam de castigos antigos, cidades desaparecidas e guardiões invisíveis de riquezas impossíveis.
🜃 O Poço Profundo e o Boi que Brame
No flanco sudoeste do monte, esconde-se um abismo conhecido como Poço Profundo. Não se vê o fundo — nem com luz, nem com coragem. Diz o povo que esse buraco sem fim é o acesso a uma galeria subterrânea onde jaz um tesouro ancestral. Mas ninguém sai ileso de uma tentativa impura: nas noites de trovoada, ouve-se o bramir de um boi — não um animal, mas um espírito.
Esse boi não pasta nem dorme: é o guardião das profundezas, voz do interdito, do segredo que não pode ser desvelado. O seu mugido, soprado como um eco do Hades celta, afasta os audaciosos e deixa nos seus ouvidos o zumbido do medo.
🜁 A Cidade Submersa da Lagoa das Xarfas
Aos pés do monte, a lagoa de Xarfas repousa como um olho antigo. Criada por dunas que barraram o mar, é um espelho de água doce que guarda, segundo se conta, os escombros de uma antiga povoação.
Numa noite esquecida pelo tempo, um castigo divino — ou natural — engoliu as casas, as vozes, os sinos. Desde então, quem se atreve a escutar nas noites de San Xoán poderá ouvir as campanas submersas e os gritos fantasmagóricos dos que ali pereceram.
Não se trata de lamento, mas de aviso.
🜂 O Monte de Oro e a Filha de Noé
Crónicas do século XVI recolhem uma lenda ainda mais arcaica: após o Dilúvio, Noé teria encalhado a sua arca junto a este monte resplandecente, que batizou de Monte de Oro. Para eternizar o momento, nomeou a vila nascente com o nome da sua filha — Noia.
É um mito de origem que funde geografia atlântica com cosmogonia bíblica, conferindo a este lugar uma dimensão arquetípica: ponto de recomeço, terra onde os deuses tocam o chão.
✧ Símbolos e Ecos
Estas lendas não vivem isoladas — ressoam juntas como notas de um mesmo cântico:
- O Tesouro Oculto: metáfora do saber proibido, do poder enterrado, da ganância punida.
- O Boi Bramidor: guardião telúrico, espírito do umbral entre os mundos.
- A Cidade Afundada: lamento pelo esquecimento das leis naturais e cósmicas.
- Noé e Noia: reconexão entre o dilúvio mítico e as águas que ainda hoje sussurram ao pé do monte.
Monte Louro é um lugar liminar, onde o sagrado e o terreno se olham nos olhos. Não é um ponto no mapa: é um ponto de inflexão na consciência.