Ao percorreres os montes e vales do Minho e da Galiza, encontras os vestígios silenciosos de um povo que desafiou os séculos. As ruínas dos castros, erguidas sobre colinas e promontórios, guardam histórias de guerreiros, sacerdotes e artesãos—homens e mulheres que habitavam este território muito antes de Roma impor a sua ordem ao mundo.
Os galaicos, um conjunto de tribos da Idade do Ferro, habitavam o noroeste da Península Ibérica, especialmente a Galiza e o atual norte de Portugal. A sua organização era tribal, baseada em comunidades independentes que partilhavam uma cultura comum. Eram parte da cultura castreja, caracterizada pela edificação de povoados fortificados—os castros—que serviam tanto para defesa como para organização comunitária.
Origens e Identidade
A cultura galaica nasceu da fusão de tradições atlânticas e celtas, apresentando algumas influências mediterrâneas a partir do contacto com povos fenícios e romanos. Os galaicos não eram apenas guerreiros—eram também agricultores, pastores e exímios metalurgistas, explorando ouro e outros metais. Com a chegada dos romanos, passaram a integrar-se num circuito comercial mais vasto que chegava ao Mediterrâneo.
Apesar de serem frequentemente classificados como celtas, a sua cultura não se enquadra totalmente na civilização celta clássica. A língua, as crenças e os costumes sugerem que os galaicos formaram um universo próprio, enraizado na terra e nos astros, onde os deuses se manifestavam no fluxo dos rios, no brilho das estrelas e na fúria das tempestades.
O seu mundo era regido por divindades como Nabia, senhora das águas, e Reva, deus da justiça e dos rios. O fogo e a água eram elementos sagrados, símbolos de renovação e purificação, e os seus rituais muitas vezes incluíam sacrifícios—uma oferenda aos deuses e uma reafirmação do vínculo entre o humano e o divino.
A Cultura Castreja
Os castros, com as suas muralhas de pedra e casas circulares, eram muito mais do que simples aldeias. Eram comunidades organizadas, servindo como centros de vida social, económica e, em alguns casos, como estruturas defensivas. A sua organização revelava uma hierarquia social bem definida, onde guerreiros, artesãos e possivelmente sacerdotes desempenhavam papéis fundamentais.
Cada castro era uma entidade independente, regida por um líder, mas ligada a um sistema tribal maior. Entre os mais impressionantes destacam-se:
- Castro de Santa Trega (A Guarda, Galiza): Estratégicamente localizado no alto de um monte com vista para o Oceano Atlântico e a foz do rio Minho, este castro é um dos mais icónicos da cultura galaica. As suas ruínas revelam um grande centro habitacional com influências romanas, demonstrando o contacto entre os galaicos e o mundo mediterrâneo. citeturn0search8
- Castro de São Lourenço (Esposende): Uma fortaleza natural no litoral, essencial para o controlo da costa e dos fluxos comerciais atlânticos.
- Citânia de Briteiros (Guimarães): Uma das maiores da Península Ibérica, com ruas pavimentadas e vestígios de influência romana.
- Citânia de Sanfins (Paços de Ferreira): Um grande povoado fortificado que testemunha a adaptação dos galaicos ao mundo romano.
A arquitetura castreja distingue-se pelas casas de pedra, normalmente circulares, cobertas por colmo. No interior dos castros, existiam espaços comuns, zonas de trabalho e até balneários rituais, onde a água desempenhava um papel central em práticas religiosas e purificadoras.
A ourivesaria galaica é outro dos seus legados mais fascinantes: os célebres torques de ouro e bronze, usados pelos líderes e guerreiros, demonstram uma habilidade técnica e estética impressionante.
O Espírito de Resistência
Quando Roma decidiu expandir o seu domínio para o noroeste da Península, os galaicos ofereceram resistência, embora tenham sido subjugados pelas legiões romanas sob o comando de Décimo Júnio Bruto em 136 a.C.
O general, que liderou a travessia do rio Douro e a conquista da Gallaecia, recebeu do Senado Romano o cognome “Galaico” em reconhecimento pelas suas vitórias. Segundo as fontes antigas, Bruto terá avançado até ao Oceano Atlântico, onde levou o seu exército a “ver o fim do mundo”, provavelmente no Cabo Finisterra.
O historiador Estrabão descreve os galaicos como “um povo feroz, que despreza o luxo e enfrenta a morte com uma coragem inabalável”. Lutavam em guerrilha, conhecendo os segredos das montanhas, os esconderijos dos bosques e os perigos dos rios. Mesmo após a conquista romana, muitos castros continuaram habitados, e a cultura castreja não desapareceu completamente.
Os galaicos foram integrados no Império Romano, mas a sua cultura não desapareceu. Com a chegada dos suevos no século V d.C., houve uma fusão de tradições, e a cristianização progressiva levou à substituição dos antigos deuses.
Legado e Memória
Hoje, os vestígios da cultura castreja permanecem espalhados pelas colinas e montes do norte de Portugal e da Galiza. Quem percorre estas terras pode ainda sentir a presença desse povo que viveu entre a pedra e o céu, entre a guerra e a espiritualidade.
Os castros são mais do que ruínas arqueológicas—são portais para um passado que ainda ecoa na identidade da região.