(Final do século XVIII – Início do século XIX)
Portugal vivia suspenso entre dois mundos. O passado glorioso dos Descobrimentos esvaía-se na memória, enquanto a sombra do futuro se tornava cada vez mais difícil de ignorar. O século XVIII chegava ao fim com promessas de mudança que inquietavam os mais conservadores e inflamavam os mais audazes. As ideias do Iluminismo, importadas de França, ecoavam entre intelectuais e militares, ganhando terreno nos salões de Lisboa e nos cafés do Porto. No entanto, a resistência à transformação era feroz, e a estrutura que sustentava a monarquia mostrava-se rígida, determinada a sufocar qualquer ameaça.
Mas a História raramente se compadece com a imobilidade. A Revolução Francesa havia acendido um rastilho que já não poderia ser apagado, e Napoleão, com a sua ambição sem limites, lançaria Portugal para o meio da tempestade.
I. Um Reino à Beira do Abismo
O ouro do Brasil, outrora fonte inesgotável de riqueza, começava a escassear. A corte portuguesa, habituada ao luxo e à dependência colonial, mostrava-se incapaz de se adaptar aos novos tempos. A economia fragilizava-se, o comércio sofria sob a pressão da supremacia britânica nos mares, e a dívida acumulava-se.
Nas ruas das cidades, as desigualdades eram evidentes. Os grandes senhores da nobreza mantinham os seus privilégios, enquanto o povo trabalhava até à exaustão, sem esperança de ascensão. Os burgueses, cada vez mais poderosos, viam-se barrados pela aristocracia, que continuava a dominar os altos cargos da administração e do exército. O clero, por sua vez, mantinha-se como um pilar intocável, controlando escolas, hospitais e, sobretudo, consciências.
Era um país de contrastes profundos. E, por baixo da superfície, algo fervilhava.
A fuga do rei para o Brasil, em 1807, foi o primeiro grande golpe. Com a família real longe, Portugal ficou entregue ao caos. O governo nas mãos dos franceses, a economia desfeita, a população sem rumo. O inimigo não vinha apenas de fora – vinha de dentro, nos interesses divergentes de uma elite que hesitava entre a lealdade ao passado e a tentação de um futuro incerto.
II. O Caos das Invasões Francesas
Napoleão queria Portugal. O país, pequeno e estratégico, mantinha-se teimosamente aliado da Grã-Bretanha, ignorando as exigências francesas para aderir ao Bloqueio Continental. A resposta foi rápida e brutal.
A primeira invasão, comandada por Junot, aconteceu em 1807. As tropas francesas entraram no país sem grande resistência, encontrando um exército desorganizado e uma administração paralisada. Lisboa caiu quase sem luta. Mas a ocupação foi marcada pelo saque, pelo aumento dos impostos e pela violência contra a população. Não demorou até que as revoltas começassem.
Em 1808, com o apoio dos britânicos, os portugueses iniciaram a resistência. A revolta eclodiu no Porto, em Trás-os-Montes e em Lisboa. Os franceses foram expulsos, mas a paz não duraria. No ano seguinte, Soult liderou uma segunda invasão, tomando o Porto à força. A cidade caiu num cenário de pilhagem e destruição, mas a resistência persistiu. Com a chegada das tropas anglo-portuguesas lideradas por Wellesley, os franceses foram novamente derrotados.
A terceira invasão, em 1810, foi a mais temível. Masséna, marechal de Napoleão, trouxe um exército de 65.000 homens. Mas encontrou um país preparado. As Linhas de Torres Vedras, erguidas em segredo, barraram o avanço francês para Lisboa. Sem mantimentos e atacados constantemente por guerrilheiros portugueses, os franceses foram forçados a recuar.
Quando a última tropa napoleónica cruzou a fronteira para Espanha, em 1811, deixava para trás um país devastado. Povoados inteiros arrasados, campos abandonados, milhares de mortos. Mas também deixava algo mais: um sentimento de unidade e de resistência. Portugal não era apenas um pequeno reino entre potências. Era um país que lutava pelo seu destino.
III. A Semente do Liberalismo
O mundo estava a mudar, e Portugal, apesar das feridas da guerra, não poderia escapar às novas ideias que varriam a Europa. No Brasil, a corte de D. João VI governava sem pressa de regressar à metrópole. No Porto e em Lisboa, crescia a convicção de que o absolutismo já não servia.
Em 1820, a Revolução Liberal começou no Porto, espalhando-se rapidamente. O poder real foi contestado, a Constituição de 1822 foi promulgada, e a monarquia absoluta foi posta em causa. Mas a luta estava longe de terminar.
A resistência dos conservadores foi feroz. D. Miguel, herdeiro do trono, tornou-se o rosto do absolutismo e, em 1828, usurpou o poder, declarando o regresso ao antigo regime. As perseguições começaram. Liberais foram presos, exilados ou mortos.
Entre os perseguidos, encontrava-se um homem cuja vida se cruzava com os destinos de Portugal e da Europa. Um jovem que já havia lutado contra os franceses, que abraçara os ideais liberais e que agora se preparava para desafiar a tirania. O seu nome era Inácio Perestrello Marinho Pereira.