I. O Reino do Medo e a Centelha da Revolta
O trono de D. Miguel I não era sustentado pelo consentimento, mas pelo terror. Cada decreto do rei usurpador era reforçado pelo silvo da lâmina da guilhotina, pelo estalar dos chicotes nas prisões e pelo murmúrio de condenação dos tribunais especiais. Contudo, um reino governado pelo medo cedo ou tarde encontraria resistência.
Os liberais não se renderam à tirania. No exílio e no próprio território português, conspiravam e preparavam revoltas, desafiando a repressão miguelista. Cada tentativa, mesmo que esmagada, era um golpe na ilusão de estabilidade do regime.
A primeira grande tentativa de derrubar o absolutismo deu-se em 1828, um ano após D. Miguel ter usurpado a coroa. Os exilados portugueses em Londres e Paris reuniam-se em casas discretas e salões iluminados por velas, onde traçavam planos e alimentavam esperanças. O Visconde de Vila Nova de Gaia e o Marquês de Palmela, dois dos mais ardentes defensores da liberdade, lideravam a conspiração. A promessa era grandiosa: um levante nacional que restauraria a Carta Constitucional e deporia o tirano.
“Os liberais no exílio viviam entre a angústia da incerteza e a chama ardente da esperança. Enquanto D. Miguel governava com mão de ferro, eles não cessavam de conspirar, de enviar mensagens secretas, de angariar apoios. A liberdade não se ganha sem sacrifício.”
— Memórias de um Exilado, 1835.
Mas o plano foi descoberto antes de se concretizar. A polícia miguelista, cada vez mais eficiente na repressão, desmantelou a conspiração antes que a revolta pudesse eclodir. As prisões encheram-se. Muitos foram enforcados. Outros fugiram. Mas a centelha da revolta já ardia e não poderia ser apagada.
II. A Conspiração de 1829 e a Execução dos Mártires
A repressão de D. Miguel não arrefeceu o espírito dos liberais. No Porto, no Algarve, em Lisboa, nas províncias, surgiam grupos de resistência clandestinos. As reuniões eram feitas em segredo, à luz de velas, em porões escondidos ou na calada da noite, entre as sombras das ruas desertas.
O Marquês de Palmela, sempre um estratega e diplomata hábil, voltou a articular planos. Em 1829, uma nova conspiração foi traçada. Entre os envolvidos estava Inácio Perestrello Marinho Pereira, cuja coragem e dedicação à causa liberal o tornavam um alvo para as forças miguelistas.
“O Marquês de Palmela fora incansável. Ele compreendia que a luta contra D. Miguel não era apenas militar, mas também uma questão de resistência política e moral. Em cada exilado, via um soldado; em cada prisioneiro, um mártir.”
— Joaquim António de Aguiar, in Cartas do Exílio, 1834.
A revolta falhou antes mesmo de se erguer. A rede de informadores miguelistas era extensa, e os conspiradores foram traídos. Perestrello, capturado, foi condenado à morte num julgamento sumário, executado no Cais do Sodré em 6 de março de 1829, ao lado de outros quatro companheiros. Morreram como mártires da liberdade, mas as suas execuções apenas fortaleceram a resistência.
“Ao nascer do sol, as forcas já estavam erguidas. Um a um, os condenados foram levados ao cadafalso. D. Miguel esperava que o medo sufocasse a revolta, mas cada execução foi uma faísca lançada sobre o barril de pólvora que um dia explodiria.”
— História das Execuções Políticas em Portugal, 1842.
III. As Insurreições Regionais: O Porto e a Terceira
As revoltas não cessaram. O Porto, sempre uma cidade de espírito indomável, ergueu-se contra D. Miguel em maio de 1828. O povo saiu às ruas, exigindo o regresso da Carta Constitucional. Mas o movimento foi esmagado com uma brutalidade terrível. O sangue correu pelas calçadas, e os prisioneiros encheram as masmorras. No entanto, a resistência não se apagou.
Enquanto isso, nos Açores, a ilha Terceira tornou-se um bastião da liberdade. Os liberais exilados encontraram ali um refúgio seguro, onde organizaram uma regência em nome de D. Maria II. Foi neste enclave que se reuniu a expedição liberal liderada por D. Pedro IV, o imperador deposto do Brasil que regressaria para desafiar o irmão e restaurar a monarquia constitucional.
“A ilha Terceira foi a primeira terra portuguesa que viu de novo a bandeira azul e branca. Ali, longe das garras de D. Miguel, os liberais preparavam-se. O vento do Atlântico sussurrava promessas de liberdade.”
— Diário de um Oficial Liberal, 1833.
IV. O Marquês de Palmela e a Guerra Contra o Absolutismo
Se havia um homem cuja diplomacia manteve viva a causa liberal, esse homem era Pedro de Sousa Holstein, o Marquês de Palmela. Filho da nobreza, homem de cultura refinada e espírito político aguçado, ele foi um dos principais arquitetos da resistência liberal.
Desde os primeiros exílios em Londres e Paris até ao comando da resistência política, Palmela orquestrou alianças e conseguiu apoio estrangeiro para os liberais. Sabia que a guerra contra D. Miguel não poderia ser vencida apenas com coragem e ideais — era necessário dinheiro, armas, navios e reconhecimento internacional.
“A espada é poderosa, mas sem a diplomacia, a vitória é incerta. Palmela compreendia que a guerra não era apenas travada no campo de batalha, mas também nos salões das cortes europeias.”
— Joaquim Pedro de Oliveira Martins, in O Portugal Político, 1885.
Em 1832, Palmela esteve entre os que convenceram D. Pedro IV a regressar e liderar a expedição militar que desembarcaria no norte de Portugal. A Guerra Civil estava prestes a começar.
V. O Caminho para a Guerra Civil
D. Miguel ainda acreditava na invencibilidade do seu reino. Mas cada revolta esmagada, cada prisioneiro executado, cada exilado que fugia para Londres ou Paris apenas tornava mais inevitável o regresso da guerra.
A expedição dos Açores, liderada por D. Pedro IV, partiria em breve. As tropas liberais, compostas por exilados, voluntários estrangeiros e militares experientes, iriam desembarcar em Portugal para desafiar o usurpador. O primeiro grande confronto seria o Cerco do Porto, que se tornaria o símbolo da resistência liberal.
O fim do absolutismo miguelista estava próximo. D. Miguel governava um reino sitiado, onde a sombra do exército liberal crescia a cada dia.
O duelo entre os dois irmãos estava prestes a definir o destino de Portugal.