I. O Homem que Queria Mudar Portugal
José Ferreira Borges era um homem de ideias. Advogado, economista, político e um dos maiores impulsionadores do liberalismo em Portugal, imaginava um país livre do jugo absolutista, onde o direito e a justiça substituíssem o privilégio e a tirania.
A sua vida foi um constante duelo contra o destino. Entre a lei e a espada, entre o exílio e a luta, José Ferreira Borges nunca desistiu da sua causa. Desde os seus tempos de estudante em Coimbra, quando bebia avidamente os ideais iluministas, até aos dias em que planeava conspirações a partir do exílio, a sua trajetória foi marcada pela obstinação e pela crença inabalável na liberdade.
A Revolução de 1820 foi o seu momento de triunfo. Ele ajudou a redigir a Constituição de 1822, acreditando que Portugal finalmente daria o primeiro passo para uma monarquia constitucional. Mas os ventos da História eram traiçoeiros, e a ascensão de D. Miguel destruiu em pouco tempo tudo aquilo por que Ferreira Borges lutara.
II. Entre o Direito e a Rebelião: O Conspirador Relutante
Quando D. Miguel dissolveu as Cortes e aboliu a Constituição, Portugal mergulhou num novo período de repressão e medo. Para os liberais, havia duas opções: exílio ou morte.
José Ferreira Borges fugiu.
Primeiro para a Galiza, depois para Inglaterra, onde encontrou refúgio entre outros liberais exilados. Mas Ferreira Borges não era um homem feito para a passividade. Enquanto muitos aceitavam o exílio como um destino inevitável, ele via-o como um interlúdio. Um tempo para reorganizar as forças, reunir apoios e preparar o regresso triunfal.
A conspiração de 1828 foi o primeiro grande esforço para restaurar a monarquia constitucional. Ferreira Borges não era um militar, mas estava disposto a arriscar tudo. Tentaram coordenar revoltas em várias cidades e conquistar o apoio de potências estrangeiras.
Falharam.
A resposta de D. Miguel foi rápida e brutal. Prisões, execuções, repressão feroz. Muitos dos seus companheiros foram enforcados ou degredados para África. Ferreira Borges escapou novamente, refugiando-se mais uma vez em Inglaterra.
Mas o fracasso não o deteve.
No ano seguinte, tentaria de novo.
III. A Conspiração de 1829: Um Plano em Ruínas
“Não perco de vista o emprego de meios indiretos, para me pôr em comunicação com os indivíduos que podem em Portugal servir a nossa causa. Para esse fim partiu daqui há poucos dias um oficial determinado a expor-se a quaisquer riscos.”
— Ofício do Marquês de Palmela, 6 de dezembro de 1828.
O oficial em questão era Inácio Perestrello Marinho Pereira. A missão de Inácio era clara: chegar a Lisboa e preparar o terreno para uma revolta armada.
José Ferreira Borges não foi tão audacioso. Planeou tudo a partir de uma fragata francesa ancorada no Tejo, acreditando que, se permanecesse em segurança, poderia coordenar os esforços de fora. Mas os olhos e ouvidos do regime estavam por toda a parte. A polícia miguelista soube da sua presença antes mesmo de ele poder agir.
A tentativa de revolta ocorreu na noite de 9 de janeiro de 1829.
O plano era simples, mas arriscado: sublevar as tropas da Brigada Real da Marinha, marchar sobre o Rossio e proclamar D. Maria II como legítima rainha de Portugal. Mas quase tudo correu mal desde o início.
“A polícia, advertida igualmente do ocorrido, acudiu ao local das suspeitas, começando também a prender pelas ruas vizinhas quantas pessoas encontrou, uma boa parte das quais nada sabia do que se premeditava.”
— O Cerco do Porto, Luz Soriano.
Moreira Freire, um dos líderes da revolta, foi preso dentro do quartel, antes mesmo de os soldados se conseguirem mobilizar. Ferreira Borges percebeu o desastre e fugiu, abandonando aqueles que haviam confiado nele.
No dia seguinte, os julgamentos começaram.
“Para processar os culpados criou-se logo a comissão especial, de que já noutra parte falámos, da qual resultou serem executados no Cais do Sodré, no dia 6 de março de 1829, o brigadeiro Alexandre Manuel Moreira Freire, José Gomes Ferreira Braga, Inácio Perestrello Marinho Pereira, Jayme Chaves Scarnichia e António Bernardo Pereira Chaby.”
A imprudência e o fracasso de Ferreira Borges custaram vidas.
IV. O Exílio e o Regresso
José Ferreira Borges conseguiu escapar mais uma vez, refugiando-se em Inglaterra. Mas o seu nome estava manchado. Muitos liberais acusavam-no de ter conduzido os companheiros à morte, sem ter ele próprio partilhado do risco.
Mesmo assim, continuou a lutar.
Publicou panfletos, tentou mobilizar apoios, escreveu contra a tirania de D. Miguel. Foi um dos muitos que ajudaram a preparar a expedição de D. Pedro IV, que desembarcaria no Mindelo em 1832 e iniciaria a Guerra Civil Portuguesa.
Quando D. Miguel foi derrotado em 1834, Ferreira Borges voltou ao Porto como um homem livre. Mas não era o mesmo homem de antes.
O tempo e a culpa haviam deixado marcas.
V. O Legado de um Homem Dividido
O retorno de José Ferreira Borges não foi triunfal. Embora fosse reconhecido como um dos pais do liberalismo português, a sua reputação estava manchada pelos seus fracassos e pela imprudência de 1829.
Decidiu afastar-se da política ativa e dedicar-se ao direito e à economia.
“Não basta mudar de governo, é preciso mudar de mentalidade.”
— José Ferreira Borges, 1835.
Foi um dos principais responsáveis pela criação do Código Comercial de 1833, que modernizou as práticas económicas do país. A sua visão para uma economia mais livre e um estado mais eficiente ajudou a consolidar as reformas liberais.
Morreu em 1838, já longe das conspirações e das guerras.
Para a história, José Ferreira Borges ficaria como um dos impulsionadores do liberalismo português, mas também como um homem dividido. Um idealista que acreditava na justiça, mas que falhou em proteger aqueles que confiavam nele. Um conspirador mais eficiente na teoria do que na prática.
As execuções de 1829 não seriam esquecidas.
E a sombra da sua fuga pairaria para sempre sobre a sua memória.